terça-feira, 12 de maio de 2015

O Fluminense é enorme

Euclides da Cunha, em seu épico livro “Os sertões”, relata minuciosamente a saga de Antônio Conselheiro, seus fiéis seguidores e a ascensão e queda do arraial de Canudos no sertão da Bahia, no fim do século XIX. Jagunços, mulheres, idosos, crianças, ex-escravos e toda a sorte de estropiados sertanejos vítimas da fome, da exclusão social e da seca na região aglutinaram-se em torno da figura mítica do Beato Conselheiro em busca da salvação espiritual na localidade da antiga Fazenda Canudos, onde construíram o arraial de mesmo nome.

Latifundiários e outros poderosos da região, incomodados com o nascimento do novo Arraial e com a influência de Antônio Conselheiro sobre o povo pobre do sertão, passaram a reclamar a presença do Governo Federal a fim de que aquele movimento a que se chamou por parte da imprensa da época de uma tentativa de se restabelecer a Monarquia no Brasil – o que nunca se provou ser verdade – fosse debelado. Foram enviadas, então, três expedições de tropas regulares do Exército para destruir Conselheiro e seu Arraial, tarefa que parecia simples, ante a desproporção de forças, treinamento militar e armamento.

Os sertanejos, contudo, armados de enxadas, foices, alguns bacamartes velhos e muita fé – a partir da segunda investida passariam a utilizar as armas confiscadas dos soldados mortos -, rechaçaram as três primeiras expedições militares do Governo Federal, tendo sucumbido apenas na última, a quarta, quando o Exército conseguiu esmagar o Arraial após receber reforços de milhares de soldados, embora tenham encontrado feroz resistência dos seguidores de Conselheiro, que lutaram, literalmente, até o último homem.

O Fluminense não é uma tropa de decrépitos. Longe disso. Se não tem o glamour – nem sempre, porém, sinônimo de eficiência – de outros tempos, ainda se pode dizer que possui um elenco respeitável se comparado às demais forças do futebol nacional.

E se não há a fé que moveu milhares de almas desesperadas à morte em busca da salvação, há a tradição, a glória e a história que impregnam a camisa tricolor e que obrigam, quem a enverga, a almejar sempre a vitória.

Aliás, diversos “timinhos” tricolores de outrora, desacreditados a princípio, foram responsáveis por importantes conquistas na história do Fluminense. Por isso, causa estranheza que o nosso treinador Ricardo Drubscky tenha dito isto sobre as pretensões do Flu no campeonato:

“Não faço essa projeção de título. Temos oito, nove ou dez bons candidatos para conquistar o Campeonato Brasileiro. É diferente do que qualquer país no mundo. Sem dúvida nenhuma, o Fluminense arranca em 2015 sem pleitear a conquista de título e sem ser favorito por questões das mais diversas. Está mudando a sua realidade administrativa, refazendo o seu norte. Mas, sem dúvida, é um clube que nunca vai deixar de estar entre os grandes. O Fluminense sai com essa vantagem, eu diria, de ser descartado como favorito ao título”. (R.D)

Ele, provavelmente, pretendeu dizer que o Fluminense, em 2015, será um “azarão”. Pode ter sido essa a sua intenção, mas não foi isso o que disse. Ele declarou, literalmente, que não projeta o título. E é essa a mensagem que fica.

Eu mesmo acredito que o Fluminense deste ano “corre por fora” na disputa pela conquista da competição; realmente não é o favorito como já fora em outros tempos, e talvez isso nem seja ruim, pois os holofotes mudam seu foco e a pressão diminui. Imagino que as chances existem se formos aplicados, contarmos com sorte e com a incompetência dos adversários. E se não der, quem sabe uma vaga na Libertadores...

Mas, voltando a Drubscky, ele afirmou que não projeta o título, ou seja, o título não faz parte dos seus planos, para ser mais claro. Talvez em decorrência de sua origem humilde no futebol, acostumado a dirigir clubes de menor expressão e de repetir essa mesma ladainha em todo começo de competição, Drubscky tenha sido traído pela “força do hábito”. De qualquer forma foi uma infeliz declaração.

O Fluminense - e Drubscky deve se acostumar com isso - é um clube enorme. De uma grandeza tal que ofusca, quase cega, aqueles que travam contato com a sua história de glórias pela primeira vez. É provável que Drubscky tenha tido a sua visão ofuscada ante o brilho fulgurante que emana do centenário clube de Álvaro Chaves. Não o condeno, pois essa cegueira sói acontecer com bastante frequência.

Portanto, você está perdoado, Drubscky. Mas é bom que saiba que o Fluminense disputa qualquer competição para vencer, não importa se o time é tecnicamente fraco, se o momento é de crise, ou se o mundo está acabando. O Fluminense, em respeito à sua história de glórias e à sua torcida, sempre lutará pelo lugar mais alto do pódio.

No entanto, li um e outro tricolor afirmarem que a declaração do nosso treinador foi sensata, pois ele não poderia – com o elenco que tem à disposição – iludir a torcida quanto à pretensão de título. Discordo desse posicionamento. A torcida tricolor é calejada demais para se iludir com verborragias de quem quer que seja. Ela sente o seu time, o  seu momento e o que pode advir dele, afinal de contas, apenas quem é tricolor tem a sensibilidade aguçada o suficiente para perceber se o time pode ter sucesso ou não numa competição. Nem sempre acerta o seu prognóstico, mas não se engana com bravatas de quem quer que seja.

As palavras de Drubscky só causaram na torcida o sentimento da revolta ante o desconhecimento do comandante sobre a tradição do clube. Não serviram para dar um choque de realidade em ninguém. Esse choque, nós, os mais experientes, já experimentamos há muitos anos.

Drubscky não precisa ser um otimista contumaz, mas como comandante da tropa, precisa passar confiança, inspirar pelo exemplo e, sobretudo, criar estratégias eficientes para que a equipe possa ser equilibrada no campo de batalha. Atacar e defender com eficácia e ser ousada, jamais acovardar-se.

O campeonato brasileiro se inicia, os sonhos renascem e a esperança pela conquista do quinto título brasileiro deve ser a última a morrer. Se não der, pelo menos tentou-se. O que não se pode é abdicar da luta antes mesmo de iniciá-la. É desestimulante para a torcida e, principalmente, para o elenco que se acomodará diante das parcas pretensões de seu líder.

E se não vier o título – lutemos por ele – quem sabe não nos sobra uma vaga na Libertadores no ano que vem? Precisamos, mais do que nunca, repetir 2008, agora, com um final feliz.

O Fluminense não é muito melhor nem muito pior do que qualquer outro clube que disputará o campeonato nacional. O Fluminense é apenas o Fluminense e isso basta para que almeje sempre a vitória final. Ah, e basta também que Drubscky entenda isso.


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