Euclides da Cunha, em seu épico livro “Os
sertões”, relata minuciosamente a saga de Antônio Conselheiro, seus fiéis
seguidores e a ascensão e queda do arraial de Canudos no sertão da Bahia, no
fim do século XIX. Jagunços, mulheres, idosos, crianças, ex-escravos e toda a
sorte de estropiados sertanejos vítimas da fome, da exclusão social e da seca
na região aglutinaram-se em torno da figura mítica do Beato Conselheiro em
busca da salvação espiritual na localidade da antiga Fazenda Canudos, onde
construíram o arraial de mesmo nome.
Latifundiários e outros poderosos da região,
incomodados com o nascimento do novo Arraial e com a influência de Antônio
Conselheiro sobre o povo pobre do sertão, passaram a reclamar a presença do
Governo Federal a fim de que aquele movimento a que se chamou por parte da
imprensa da época de uma tentativa de se restabelecer a Monarquia no Brasil – o
que nunca se provou ser verdade – fosse debelado. Foram enviadas, então, três
expedições de tropas regulares do Exército para destruir Conselheiro e seu
Arraial, tarefa que parecia simples, ante a desproporção de forças, treinamento
militar e armamento.
Os sertanejos, contudo, armados de enxadas,
foices, alguns bacamartes velhos e muita fé – a partir da segunda investida
passariam a utilizar as armas confiscadas dos soldados mortos -, rechaçaram as
três primeiras expedições militares do Governo Federal, tendo sucumbido apenas
na última, a quarta, quando o Exército conseguiu esmagar o Arraial após receber
reforços de milhares de soldados, embora tenham encontrado feroz resistência
dos seguidores de Conselheiro, que lutaram, literalmente, até o último homem.
O Fluminense não é uma tropa de decrépitos.
Longe disso. Se não tem o glamour – nem sempre, porém, sinônimo de eficiência –
de outros tempos, ainda se pode dizer que possui um elenco respeitável se
comparado às demais forças do futebol nacional.
E se não há a fé que moveu milhares de almas
desesperadas à morte em busca da salvação, há a tradição, a glória e a história
que impregnam a camisa tricolor e que obrigam, quem a enverga, a almejar sempre
a vitória.
Aliás, diversos “timinhos” tricolores de
outrora, desacreditados a princípio, foram responsáveis por importantes
conquistas na história do Fluminense. Por isso, causa estranheza que o nosso
treinador Ricardo Drubscky tenha dito isto sobre as pretensões do Flu no
campeonato:
“Não faço essa projeção de título.
Temos oito, nove ou dez bons candidatos para conquistar o Campeonato
Brasileiro. É diferente do que qualquer país no mundo. Sem dúvida nenhuma, o
Fluminense arranca em 2015 sem pleitear a conquista de título e sem ser
favorito por questões das mais diversas. Está mudando a sua realidade
administrativa, refazendo o seu norte. Mas, sem dúvida, é um clube que nunca
vai deixar de estar entre os grandes. O Fluminense sai com essa vantagem, eu
diria, de ser descartado como favorito ao título”. (R.D)
Ele, provavelmente, pretendeu dizer que o Fluminense, em 2015, será um
“azarão”. Pode ter sido essa a sua intenção, mas não foi isso o que disse. Ele declarou,
literalmente, que não projeta o título. E é essa a mensagem que fica.
Eu mesmo acredito que o Fluminense deste ano “corre por fora” na
disputa pela conquista da competição; realmente não é o favorito como já fora
em outros tempos, e talvez isso nem seja ruim, pois os holofotes mudam seu foco
e a pressão diminui. Imagino que as chances existem se formos aplicados,
contarmos com sorte e com a incompetência dos adversários. E se não der, quem
sabe uma vaga na Libertadores...
Mas, voltando a Drubscky, ele afirmou que não projeta o título, ou
seja, o título não faz parte dos seus planos, para ser mais claro. Talvez em
decorrência de sua origem humilde no futebol, acostumado a dirigir clubes de
menor expressão e de repetir essa mesma ladainha em todo começo de competição,
Drubscky tenha sido traído pela “força do hábito”. De qualquer forma foi uma
infeliz declaração.
O Fluminense - e Drubscky deve se acostumar com isso - é um clube
enorme. De uma grandeza tal que ofusca, quase cega, aqueles que travam contato
com a sua história de glórias pela primeira vez. É provável que Drubscky tenha tido
a sua visão ofuscada ante o brilho fulgurante que emana do centenário clube de
Álvaro Chaves. Não o condeno, pois essa cegueira sói acontecer com bastante
frequência.
Portanto, você está perdoado, Drubscky. Mas é bom que saiba que o
Fluminense disputa qualquer competição para vencer, não importa se o time é
tecnicamente fraco, se o momento é de crise, ou se o mundo está acabando. O
Fluminense, em respeito à sua história de glórias e à sua torcida, sempre
lutará pelo lugar mais alto do pódio.
No entanto, li um e outro tricolor afirmarem que a declaração do nosso
treinador foi sensata, pois ele não poderia – com o elenco que tem à disposição
– iludir a torcida quanto à pretensão de título. Discordo desse posicionamento.
A torcida tricolor é calejada demais para se iludir com verborragias de quem
quer que seja. Ela sente o seu time, o seu momento e o que pode advir dele, afinal de
contas, apenas quem é tricolor tem a sensibilidade aguçada o suficiente para
perceber se o time pode ter sucesso ou não numa competição. Nem sempre acerta o
seu prognóstico, mas não se engana com bravatas de quem quer que seja.
As palavras de Drubscky só causaram na torcida o sentimento da revolta
ante o desconhecimento do comandante sobre a tradição do clube. Não serviram
para dar um choque de realidade em ninguém. Esse choque, nós, os mais
experientes, já experimentamos há muitos anos.
Drubscky não precisa ser um otimista contumaz, mas como comandante da
tropa, precisa passar confiança, inspirar pelo exemplo e, sobretudo, criar
estratégias eficientes para que a equipe possa ser equilibrada no campo de
batalha. Atacar e defender com eficácia e ser ousada, jamais acovardar-se.
O campeonato brasileiro se inicia, os sonhos renascem e a esperança
pela conquista do quinto título brasileiro deve ser a última a morrer. Se não
der, pelo menos tentou-se. O que não se pode é abdicar da luta antes mesmo de
iniciá-la. É desestimulante para a torcida e, principalmente, para o elenco que
se acomodará diante das parcas pretensões de seu líder.
E se não vier o título – lutemos por ele – quem sabe não nos sobra uma
vaga na Libertadores no ano que vem? Precisamos, mais do que nunca, repetir
2008, agora, com um final feliz.
O Fluminense não é muito melhor nem muito pior do que qualquer outro
clube que disputará o campeonato nacional. O Fluminense é apenas o Fluminense e
isso basta para que almeje sempre a vitória final. Ah, e basta também que
Drubscky entenda isso.
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