“Telefone sem fio” é o nome de uma brincadeira infantil. Retrata com propriedade o quão perniciosa é a transmissão
de uma informação de boca em boca que, não raro, modifica completamente o texto
emitido originariamente quando chega aos ouvidos do receptor final, em
decorrência da interpretação que cada um dá acerca daquilo que ouviu em baixa
voz de seu antecedente e repassa, segundo seu entendimento, ao ouvinte
subsequente. É uma forma lúdica, embora esse não seja o objetivo principal da brincadeira,
de mostrar os riscos da boataria inconsequente, que pode se iniciar inofensiva
e tornar-se, durante seu trajeto até o destinatário final, uma avalanche de
informes desconexos e infundados que, via de regra, provoca danos e enseja
reparações.
Através desse disse me disse irresponsável, diversas injustiças foram praticadas,
verdades transformaram-se em mentiras e mentiras em verdades, alimentando-se o
apetite voraz daqueles que, ao invés de procurarem elucidar os fatos, satisfazem-se
em fomentar ondas de informações sem a veracidade comprovada.
Se essa disseminação inconsequente de notícias
sem fundamento já era um mal antes do surgimento da internet, e já o era desde
que as primeiras sociedades surgiram, e desde então modificou-se apenas o seu meio
de propagação, nestes tempos em que a informação viaja quase que
instantaneamente, transformou-se num turbilhão de dados, falsos ou não, que
grassam pelas redes sociais induzindo a formação de opinião de milhões de
internautas. Mesmo as informações fundamentadas, diante de um cenário em que
cada um interpreta como lhe convém a notícia que recebe, podem ser desvirtuadas
e, geralmente o são, no mundo virtual.
Daí se pode imaginar o risco elevado de se ter
como fonte única de informação as redes sociais, porquanto são delas que,
infelizmente, a maioria dos internautas retira as informações que julgam
suficientes para a formação de seus juízos de valor em relação aos assuntos que
são relevantes para o seu dia a dia.
E, mesmo quando o assunto é futebol, a internet
é um campo fértil para a propagação de toda a sorte de notícias divulgadas sem a
devida comprovação. Aliás, o interesse pelo esporte bretão, as paixões que ele
movimenta, determinam um alcance longuíssimo para qualquer informação
veiculada, e mais distante irá quanto maior prejuízo a alguém causar, até
porque o melhor combustível para a sua propagação é a maledicência, a
vulgarmente conhecida “fofoca”.
Tem sido assim o ano de 2014 para o Fluminense.
Informações supostamente oriundas de gente que tem acesso aos nomes influentes
do clube, ou de quem conhece quem tem acesso a essas pessoas, são disseminadas
aos borbotões nas redes sociais.
Já se falou, por exemplo, que a equipe estaria
dividida em grupos, e que um deles teria se insurgido contra a nova política de
salários e investimentos do Fluminense e de sua patrocinadora. O resultado
teria sido a “entrega do jogo” contra o América de Natal, o que causou, de
forma vexatória, a eliminação do time da Copa do Brasil. Para outros, a
eliminação teria sido também proposital, mas não em razão de questões
financeiras; decorreria da simples opção pela disputa da Copa Sul-Americana, que
seria mais relevante do que a competição nacional.
Essa segunda teoria parece ter caído por terra,
quando, logo em seguida, o Tricolor também foi eliminado da disputa
sulamericana. E aí as vozes que deram como certo o “corpo mole” de alguns
atletas, ganharam ênfase, particularmente quando o jogador Carlinhos foi
afastado sem motivos justificáveis e Cavalieri contraiu uma “gravíssima”
gastroenterite, capaz de tirá-lo dos gramados por oito partidas consecutivas.
Coincidentemente ou não, esses dois jogadores discutiam com a diretoria as
renovações de seus contratos que vencem no fim deste ano.
Basicamente, a boataria dá conta de que as
questões financeiras que afligem parte do elenco tricolor decorrem da política
de redução dos prazos contratuais, em caso de renovação, e do pagamento por
vitórias do time, que deverá ser feito somente ao final da competição. O receio
de calote, não sem fundamento, teria levado um grupelho a articular retaliação
dentro de campo, como se viu contra o América de Natal, Botafogo e, mais
recentemente, contra o Vitória da Bahia e exigido que a partida contra o Bahia
seja realizada em Brasília, revertendo-se para os seus bolsos a cota que
caberia ao Flu, cerca de um milhão de reais, com o fim de adimplir-se os
débitos referentes aos pagamentos por vitórias.
Até Cristóvão teria sido demitido após a
derrota para o time baiano.
Ainda há a cereja no bolo das teorias
conspiratórias que minam o Tricolor e ela repousa sobre a estrela ca companhia,
Fred. Já perseguido por parte da torcida por motivos de ordem técnica, teria
sido sacado antes de o time “decidir” entregar os jogos para os seus
adversários, como nos casos das partidas contra o América de Natal e
Vitória/Ba, a fim de que sua imagem não se tornasse ainda mais maculada perante
os torcedores.
Boatos como esses levaram alguns torcedores ao
aeroporto para prostestarem contra os jogadores. Nenhum deles atirou-lhes
moedas sem motivo e o motivo foi a pecha que assumiram perante parte da torcida
tricolor, aquela que recebeu e encampou como verdade as notícias acerca de suas
exigências financeiras, de que seriam “mercenários”. Afinal de contas,
profissionais muito bem remunerados como são os jogadores tricolores, jamais
poderiam se insurgir, pelo menos como, supostamente, teriam feito – fazendo
corpo mole em jogos – em virtude de uma nova proposta de pagamento de “bichos”
por vitórias ou por desavenças contratuais. Nada que não poderia ter sido
resolvido no âmbito interno, sem que viesse à tona uma insatisfação que foi
logo transformada numa enorme teoria conspiratória.
E como saber se tudo isso é verdade ou não, se
as teorias têm fundamento, se os boatos são verdadeiros? Afinal de contas, a
inconstância do Fluminense em 2014 poderia simplesmente decorrer da falta de um
elenco apto, ou de deficiência técnica de alguns jogadores, ou da preparação
física inadequada, ou de pura preguiça etc.
Parte da torcida, contudo, preferiu acreditar
nas teorias conspiratórias. E com certa razão. Isso porque a melhor e mais
eficiente forma de se encerrar o boato mentiroso é a exposição da verdade pela
parte interessada. Assim como eu e você, jogadores, comissão técnica, diretoria
tiveram conhecimento das notícias veiculadas pelas redes sociais. Cavalieri
mesmo chegou a dizer à imprensa que estava magoado por ter sido tachado de
“mercenário” por parte da torcida, mas em momento algum negou seu pedido de
reajuste salarial ou explicou a gravidade da “gastroenterite” que o manteve
fora dos gramados tempo demais para uma doença não tão grave assim. Carlinhos
nem isso fez. A diretoria também não; em momento algum, mesmo após as derrotas
acachapantes, quando Twitter, Whatsapp e Facebook, principalmente, fervilhavam
intensamente com tricolores indignados entoavam coros de “mercenários!”,
apareceu uma voz oficial, idônea, que desmentisse a boataria generalizada.
Em momentos de crise, de revolta, todos ficamos
mais suscetíveis a acreditar na explicação que parece mais óbvia. E a
explicação mais óbvia que circulou e ainda circula nas redes sociais é de que
alguns jogadores manipulam da forma que bem entendem os destinos do Fluminense,
sempre em razão de suas conveniências.
Se é verdade, não se sabe. O que é certo,
porém, é que, quando o Clube se cala nos momentos de crise, conspira contra si
mesmo, fomentando toda a sorte de verdades ou inverdades que circulam sob a
forma de boatos e teorias infundadas que formarão opiniões conflitantes, dividirão
a torcida e serão danosas ao Clube e aos seus jogadores.
Para evitar isso não é preciso fazer muito, basta apenas dizer a verdade, custe o que custar. O Fluminense precisa da
autoridade de seu presidente ou de quem quer que o represente, porque o
silêncio, quando a sua palavra é necessária, confunde, inquieta e insufla a
torcida.
Avante, Fluminense! St