sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

O Pança

Quando algum torcedor, indignado com a administração de seu clube, afirma que gostaria que o mesmo fosse gerido por Eurico Miranda, provavelmente não conhece a sua história. Pelo menos não totalmente. O lendário Eurico, aquele que apregoa que os interesses do Vasco da Gama estão acima de tudo, não existe. Trata-se de folclore criado por sua mente brilhante para justificar a sua presença, durante décadas, no comando do clube cruzmaltino, e dele se locupletar.

Tudo o que Eurico Miranda fez pelo Vasco, e que se possa entender por louvável, foi principalmente por interesse próprio. Enriqueceu às custas do clube.

Filho de portugueses que vieram para o Brasil fugindo da ditadura de Salazar, Eurico estudou em bons colégios da Zona Sul carioca. Ajudava seu pai na padaria da família e, antes de se decidir pelo Direito, foi aprovado nas faculdades de Medicina e Fisioterapia.

Sua carreira jurídica, porém, nunca prosperou. Vislumbrou desde muito cedo a possibilidade de crescer dentro do clube da colônia portuguesa. E foi nisso que investiu. Suas primeiras falcatruas, já como vice-presidente de patrimônio do clube datam de 1969 – no famoso episódio da “mão de Eurico” – quando tentou impedir a votação pela cassação de um ex-presidente vascaíno desligando a energia da sede náutica do Vasco.

O “Pança” não parou por aí. Construiu sua imagem política dentro do clube bajulando figuras importantes da cartolagem e colaborando na destruição de seus adversários. Logo tonou-se, traindo e bajulando, vice-presidente com poderes absolutos. A partir de então seus problemas financeiros, como o pagamento de prestações de um imóvel na Zona Sul carioca terminaram. Os anos 1990 foram pródigos para Eurico e para o Vasco. O clube foi um dos maiores vencedores da década e o dirigente, além de conseguir pagar seu imóvel, adquiriu uma mansão em Angra e comprou uma casa em Miami.

No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, o Pança passou a ter importante influência na federação de futebol do Rio e na própria CBF. A partir daí, coincidentemente ou não, o Vasco viveu os melhores anos de sua história. Cansou de subverter regras, invadir campo de jogo, burlar exames anti-dopings – caso Willian em 1994 foi emblemático – a fim de beneficiar o seu clube, sempre acobertado pelas federações de futebol.

Eleito deputado federal em 1994 e reeleito em 1998, sempre afirmou que seu mandato não era do povo, e sim do Vasco. Foi um dos representantes da cartolagem na Câmara e foi cassado após o escândalo do desvio de verbas do Nations Bank, depois Bank of America, que investiu milhões de dólares no futebol e no esporte amador vascaínos. Aremitas José de Lima, um simplório funcionário do clube, foi o seu “laranja” e milhões de dólares do patrocínio foram desviados por Eurico para contas em paraísos fiscais.

Eurico, então, criara uma cortina de fumaça – suas bravatas e sua suposta defesa incondicional do Vasco – para roubar o próprio clube. E não foi somente com o desvio de milhões do Bank of America, foi também com o sumiço de parte da renda que cabia ao Vasco – 62.000 reais – de um jogo contra o Flamengo, que levou para casa no próprio bolso para depois noticiar o suposto roubo da quantia na porta de seu prédio. O Pança também sempre esteve envolvido em negociações de jogadores cruzmaltinos e suas relações com Reinaldo Pitta nunca foram explicadas, muito menos o fato de a lancha ancorada na casa do dirigente em Angra pertencer ao empresário.

Mas o que se esperar de alguém que, desde cedo, conduziu sua vida pelos caminhos do crime. Na década de 1970 foi surpreendido desviando dinheiro do prédio em que era síndico. Anos depois, como gerente de consórcios da Besouro Veículos, de um benemérito vascaíno, foi demitido por lesar mais de 280 consorciados que pagaram integralmente as suas cotas, mas não receberam seus carros.

E a torcida vascaína, que diz tanto amar, também já foi diretamente a sua vítima. Na decisão da Copa João Havelange de 2001, contra o São Caetano, o alambrado do estádio de São Januário ruiu ante a superlotação, deixando 168 feridos que foram socorridos dentro de campo. Preocupado com a continuidade da partida, Eurico foi inclemente com quem procurava socorrer os feridos, tentando esvaziar o campo e os torcedores o mais rapidamente possível para que a partida recomeçasse. Toda a sua desumanidade foi exposta nesse lamentável episódio.

Responde ainda a diversos inquéritos e ações judiciais e foi, inclusive, impedido pelo Tribunal Eleitoral de disputar as eleições para vereador no Rio de Janeiro em 2008, por absoluta falta de idoneidade moral.

Estes são apenas alguns exemplos da folha corrida do dirigente vascaíno.

Suas práticas nefastas pareciam fazer parte do passado, uma vez que, quando perdeu as eleições para Roberto Dinamite, anunciou o encerramento de sua vida política no Vasco para se dedicar à família. Ledo engano. A péssima administração Dinamite retirou Eurico do ostracismo e deu nova vida ao inimigo número um do futebol brasileiro.

Ressuscitado, aliou-se a seu antigo cupincha, Rubens Lopes, o presidente da FERJ, para transformar o futebol do Rio novamente num feudo de interesses escusos e práticas sorrateiras, que já se imaginavam enterradas há anos. Primeiro, planejaram, em conluio, a violação contratual entre o Consórcio Maracanã e o Fluminense – leia sobre o assunto em http://avanteflu.blogspot.com.br/2014/12/pacta-sunt-servanda.html - para que a torcida vascaína, ao arrepio do direito posto, voltasse a ocupar o lado direito das cabines de rádio nas partidas contra o Flu. Ante a irredutibilidade do lado de cá, a FERJ determinou a transferência do jogo em que o Tricolor detém o mando de campo contra o Vasco para o Engenhão. Agora, o imbróglio é atinente ao preço dos ingressos, cujos valores foram fixados pela Federação, com apoio integral do Pança, em detrimento de Flamengo e Fluminense, que possuem contrato com o Maracanã e projetos concretos de sócio-torcedores e, para os quais, a imposição dos valores dos ingressos acarretaria imenso prejuízo.

Não é este o estilo de dirigente que desejo para o meu clube. E não há que se confundir pulso forte, voz ativa, influência de bastidores e defesa intransigente dos interesses da instituição clubística com a figura abjeta de Eurico Miranda. Se é isto que desejamos, são virtudes que não estão no famigerado cartola, uma vez que todo esse seu lado ufanista nada mais é do que uma criação para encobrir a sua verdadeira intenção: angariar os frutos das conquistas vascaínas, seja a que preço for. O gerente de uma concessionária de veículos é, hoje, um homem milionário, graças ao que retirou do Vasco. E nem mesmo os títulos que conquistou, com bastante ajuda de sua influência nos bastidores do futebol nacional, são suficientes para apagar os males que fez ao clube cruzmaltino, à sua torcida e ao esporte no Brasil.

Todo torcedor de bem, todo aquele que preza a honradez e a lisura no futebol, deve se unir para impedir esse retrocesso e lutar pela prevalência do direito e da moralidade. A nossa luta, assim, deve ser pela dignidade dos homens que o comandam e, nessa seara, não há lugar para gente como Eurico Miranda.

Fonte:

http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-19/vultos-do-futebol/eurico-

http://balipodo.com.br/?p=1911


http://veja.abril.com.br/100101/p_042.html


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