domingo, 30 de outubro de 2016

O último erro

Tenho insônia todas as vezes que o Fluminense joga partidas como essa que jogou contra o Vitória. Nunca pelo placar, mas pela forma como a equipe se apresenta em campo. Passo algumas horas matutando, digerindo meu ódio interno, sentindo minha boca amarga, até que o sono, de tanto bater à porta, consiga entrar.

Ultimamente, porém, o Tricolor não me tem feito perder noites de sono com tanta frequência. Creio que tenho retribuído a sua indolência dentro de campo com uma certa resignação, afinal de contas, estava escrito desde o fim da temporada passada que este ano não daria certo.

A Primeira Liga foi a primeira impressão que não ficou, um título que não retira o Fluminense de onde está, mergulhado num tremedal de incompetência. Foi bom, gritamos “é campeão”, levamos gás lacrimogêneo nos olhos e só.

No estadual e nas competições nacionais mais importantes, malogramos.

A escolha de Levir, depois de uma sucessão de “bons, bonitos e baratos”, me pareceu acertada diante da situação financeira do clube. Um treinador de verdade, pelo menos isso. Eu mesmo o defendi, relevando erros e teimosias que um treinador moderno não poderia praticar.

Levir, enfim, foi uma tentativa válida que deu errado. Mas deu errado porque o seu antecessor foi uma escolha equivocada, porque assumiu a equipe após a pré-temporada, não participou da escolha do elenco. Não há planejamento que suporte tantos equívocos.

É provável que Levir, mesmo se tivesse tido todas essas oportunidades, cometesse os mesmos erros que comete agora no comando do Fluminense, mas as chances disso acontecer certamente seriam menores. Levir é, assim, o produto final de uma sucessão de equívocos potencializados, agora se vê isso nitidamente, por sua falta de competência para comandar um clube como o Fluminense.

Um time medíocre como esse que veste a camisa tricolor talvez não pudesse ser salvo por nenhum outro treinador em atividade no futebol brasileiro, mas talvez esse treinador ousasse a ponto de barrar os irrecuperáveis e exigisse reforços à altura do que se espera para formar um grande time. E quem sabe, fosse menos teimoso e mais dedicado aos treinamentos.

Levir Culpi foi o último erro – espera-se – de uma Administração que relegou o futebol a segundo plano. Reconheço o seu valor no que concerne a outros aspectos, sobre os quais já discorri exaustivamente em outras oportunidades, mas a desídia com que tratou o carro-chefe do clube é quase um crime de lesa-Fluminense.

Em novembro conheceremos nosso novo presidente e que seja verdadeiramente novo em ideias e atitudes. Está nas mãos do torcedor mudar o destino do clube e, para tal, independentemente de quem escolha como candidato, é preciso que o faça com conhecimento de causa, avaliando as propostas e, sobretudo, os nomes que eventualmente participarão da nova gestão.


A torcida está cansada da mesmice a que foi relegado o clube nos últimos quatro anos, está cansada de torcer para o ano acabar para que se renovem as esperanças no ano vindouro, está cansada de traçar objetivos de 45 pontos, está cansada de não estar na Libertadores. O Fluminense é muito maior do que isso e está nas mãos do torcedor mudar o fim dessa história. Votemos com consciência, liberdade e amor ao clube.

domingo, 9 de outubro de 2016

As metades de Peter Siemsen

Peter Siemsen dá seus últimos passos no comando do Fluminense Football Club. Em novembro, elegeremos um novo presidente no mais democrático pleito que a história do clube já presenciou. Os sócios-torcedores, com mais de dois anos de contribuição – e eu me incluo entre eles – poderemos exercer plenamente a cidadania tricolor.

Esse parágrafo inicial seria apenas um sonho, porém, se a democratização nas eleições presidenciais do Fluminense não tivesse sido planejada e implementada pelo próprio Peter.

Escrevi há mais de um ano, quando a disputa eleitoral embrionariamente se desenhava, que os então eventuais candidatos deveriam tratar a disputa com respeito recíproco e, sobretudo, respeito maior ao Fluminense. O Fluminense está acima de todos.

E isso inclui ser honesto nas opiniões, reconhecendo valores positivos nos seus adversários. Bater por bater, criticar sem argumentos é mesquinho e chega a ser vil, quando se tem por trás a ambição de ocupar o mais alto cargo na hierarquia Tricolor.

Peter cuidou de Xerém como se cuida de sua própria casa, transformando um abrigo sujo e mal administrado num centro de excelência e referência das divisões de base no Brasil. E é de lá que abastecemos nossas equipes e ainda fazemos dinheiro para sobreviver em tempos difíceis. E ainda temos um CT de primeiro mundo, sonho antigo que faz o Fluminense pisar definitivamente na modernidade, tornando-o ainda maior. Foi Peter, também, quem nos deu sobrevida após a saída da Unimed, quando nove entre dez “entendidos” de futebol previram o nosso fim. Administrou e escalonou dívidas, obteve certidões negativas fundamentais para que possamos estar aptos à obtenção de patrocínios e sobreviver ao PROFUT.  E quanto à internacionalização da marca, tratou o tema com pioneirismo, levando o Fluminense para o centro da Europa através da compra do STK Samorin, o Flu-Samorin. Não olvidemos, também, do Projeto Guerreirinhos, com filiais em diversos estados e até no exterior, que também se propõe à valorização e difusão da marca Fluminense e cujos frutos serão colhidos pelo clube muito em breve.

Peter foi um administrador zeloso e responsável, o que não o impediu de ter cometido erros. Esta  foi a metade boa de sua Administração.

Por outro lado, foi imperdoável como tratou a repercussão do caso Flamenguesa, quando deixou à própria sorte, alvos das iras nas redes sociais e nas ruas, muitos tricolores que, de forma independente, defenderam a honra do clube. A sua omissão foi quase criminosa e, por pouco, não terminou numa tragédia.

Ao se calar, deu passe livre para a imprensa nos bombardear com infâmias manipulando a opinião pública para que acreditasse que o Fluminense era, mais uma vez, o grande vilão do futebol nacional. Este foi um dos maiores equívocos de seu mandato.

O outro foi o futebol. Suas escolhas para o departamento de futebol do clube jamais foram as mais acertadas e sua Administração pecou pela falta de comando nos momentos em que era preciso ser firme. Levemos em conta o baixo orçamento, sobretudo após a saída da Unimed, mas ainda assim temos exemplos próximos de clubes semifalidos que conseguem montar times aguerridos com baixo orçamento. E crises internas, complôs, panelinhas covardes poderiam ter sido evitados.

Quatro anos de insucessos para o torcedor foi um terrível pesadelo, especialmente quando já estava se acostumando a novamente ser referência nacional e a participar com qualidade das competições sulamericanas.

Parece claro que Peter entendeu que era mais importante cuidar de outros assuntos e relegou o futebol a segundo plano. Futebol é o carro-chefe do Fluminense e delegá-lo a ineptos foi um erro crasso.

Uma boa administração financeira não precisa necessariamente fechar as torneiras do futebol. Um investimento, ainda que comedido, mas criterioso dentro de campo, certamente traria dividendos maiores ao clube. Apesar da verba escassa, o que havia foi desperdiçada em péssimas contratações de técnicos e jogadores. Muito dinheiro e planejamento jogados no lixo.

Houve, portanto, na Administração Peter Siemsen um verdadeiro paradoxo: a boa mão que cuidou das contas e da marca Fluminense não soube cuidar do futebol com o mesmo zelo.

É claro, nada pode ser perfeito e o torcedor, que é paixão, talvez tivesse preferido menos equilíbrio financeiro e mais títulos.

Peter deixará um legado formidável para seu sucessor: projetos encaminhados, um CT de primeiro mundo e dívidas equacionadas. E isso deve ser lembrado sempre. Por outro lado, o novo presidente deverá ser diferente em tudo do que Peter foi na gestão do futebol. E essa é a parte de sua Administração que deve ser esquecida.


De toda a sorte, não há como se negar que Peter Siemsen escreveu seu nome na história do Fluminense Football Club. Para o bem ou para o mal. Em novembro, a sua verdadeira avaliação será dada nas urnas, o local adequado para expressarmos a nossa vontade. Afinal de contas, o Fluminense somos todos nós, agora literalmente.