sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

O Pança

Quando algum torcedor, indignado com a administração de seu clube, afirma que gostaria que o mesmo fosse gerido por Eurico Miranda, provavelmente não conhece a sua história. Pelo menos não totalmente. O lendário Eurico, aquele que apregoa que os interesses do Vasco da Gama estão acima de tudo, não existe. Trata-se de folclore criado por sua mente brilhante para justificar a sua presença, durante décadas, no comando do clube cruzmaltino, e dele se locupletar.

Tudo o que Eurico Miranda fez pelo Vasco, e que se possa entender por louvável, foi principalmente por interesse próprio. Enriqueceu às custas do clube.

Filho de portugueses que vieram para o Brasil fugindo da ditadura de Salazar, Eurico estudou em bons colégios da Zona Sul carioca. Ajudava seu pai na padaria da família e, antes de se decidir pelo Direito, foi aprovado nas faculdades de Medicina e Fisioterapia.

Sua carreira jurídica, porém, nunca prosperou. Vislumbrou desde muito cedo a possibilidade de crescer dentro do clube da colônia portuguesa. E foi nisso que investiu. Suas primeiras falcatruas, já como vice-presidente de patrimônio do clube datam de 1969 – no famoso episódio da “mão de Eurico” – quando tentou impedir a votação pela cassação de um ex-presidente vascaíno desligando a energia da sede náutica do Vasco.

O “Pança” não parou por aí. Construiu sua imagem política dentro do clube bajulando figuras importantes da cartolagem e colaborando na destruição de seus adversários. Logo tonou-se, traindo e bajulando, vice-presidente com poderes absolutos. A partir de então seus problemas financeiros, como o pagamento de prestações de um imóvel na Zona Sul carioca terminaram. Os anos 1990 foram pródigos para Eurico e para o Vasco. O clube foi um dos maiores vencedores da década e o dirigente, além de conseguir pagar seu imóvel, adquiriu uma mansão em Angra e comprou uma casa em Miami.

No final dos anos 1980 e início dos anos 1990, o Pança passou a ter importante influência na federação de futebol do Rio e na própria CBF. A partir daí, coincidentemente ou não, o Vasco viveu os melhores anos de sua história. Cansou de subverter regras, invadir campo de jogo, burlar exames anti-dopings – caso Willian em 1994 foi emblemático – a fim de beneficiar o seu clube, sempre acobertado pelas federações de futebol.

Eleito deputado federal em 1994 e reeleito em 1998, sempre afirmou que seu mandato não era do povo, e sim do Vasco. Foi um dos representantes da cartolagem na Câmara e foi cassado após o escândalo do desvio de verbas do Nations Bank, depois Bank of America, que investiu milhões de dólares no futebol e no esporte amador vascaínos. Aremitas José de Lima, um simplório funcionário do clube, foi o seu “laranja” e milhões de dólares do patrocínio foram desviados por Eurico para contas em paraísos fiscais.

Eurico, então, criara uma cortina de fumaça – suas bravatas e sua suposta defesa incondicional do Vasco – para roubar o próprio clube. E não foi somente com o desvio de milhões do Bank of America, foi também com o sumiço de parte da renda que cabia ao Vasco – 62.000 reais – de um jogo contra o Flamengo, que levou para casa no próprio bolso para depois noticiar o suposto roubo da quantia na porta de seu prédio. O Pança também sempre esteve envolvido em negociações de jogadores cruzmaltinos e suas relações com Reinaldo Pitta nunca foram explicadas, muito menos o fato de a lancha ancorada na casa do dirigente em Angra pertencer ao empresário.

Mas o que se esperar de alguém que, desde cedo, conduziu sua vida pelos caminhos do crime. Na década de 1970 foi surpreendido desviando dinheiro do prédio em que era síndico. Anos depois, como gerente de consórcios da Besouro Veículos, de um benemérito vascaíno, foi demitido por lesar mais de 280 consorciados que pagaram integralmente as suas cotas, mas não receberam seus carros.

E a torcida vascaína, que diz tanto amar, também já foi diretamente a sua vítima. Na decisão da Copa João Havelange de 2001, contra o São Caetano, o alambrado do estádio de São Januário ruiu ante a superlotação, deixando 168 feridos que foram socorridos dentro de campo. Preocupado com a continuidade da partida, Eurico foi inclemente com quem procurava socorrer os feridos, tentando esvaziar o campo e os torcedores o mais rapidamente possível para que a partida recomeçasse. Toda a sua desumanidade foi exposta nesse lamentável episódio.

Responde ainda a diversos inquéritos e ações judiciais e foi, inclusive, impedido pelo Tribunal Eleitoral de disputar as eleições para vereador no Rio de Janeiro em 2008, por absoluta falta de idoneidade moral.

Estes são apenas alguns exemplos da folha corrida do dirigente vascaíno.

Suas práticas nefastas pareciam fazer parte do passado, uma vez que, quando perdeu as eleições para Roberto Dinamite, anunciou o encerramento de sua vida política no Vasco para se dedicar à família. Ledo engano. A péssima administração Dinamite retirou Eurico do ostracismo e deu nova vida ao inimigo número um do futebol brasileiro.

Ressuscitado, aliou-se a seu antigo cupincha, Rubens Lopes, o presidente da FERJ, para transformar o futebol do Rio novamente num feudo de interesses escusos e práticas sorrateiras, que já se imaginavam enterradas há anos. Primeiro, planejaram, em conluio, a violação contratual entre o Consórcio Maracanã e o Fluminense – leia sobre o assunto em http://avanteflu.blogspot.com.br/2014/12/pacta-sunt-servanda.html - para que a torcida vascaína, ao arrepio do direito posto, voltasse a ocupar o lado direito das cabines de rádio nas partidas contra o Flu. Ante a irredutibilidade do lado de cá, a FERJ determinou a transferência do jogo em que o Tricolor detém o mando de campo contra o Vasco para o Engenhão. Agora, o imbróglio é atinente ao preço dos ingressos, cujos valores foram fixados pela Federação, com apoio integral do Pança, em detrimento de Flamengo e Fluminense, que possuem contrato com o Maracanã e projetos concretos de sócio-torcedores e, para os quais, a imposição dos valores dos ingressos acarretaria imenso prejuízo.

Não é este o estilo de dirigente que desejo para o meu clube. E não há que se confundir pulso forte, voz ativa, influência de bastidores e defesa intransigente dos interesses da instituição clubística com a figura abjeta de Eurico Miranda. Se é isto que desejamos, são virtudes que não estão no famigerado cartola, uma vez que todo esse seu lado ufanista nada mais é do que uma criação para encobrir a sua verdadeira intenção: angariar os frutos das conquistas vascaínas, seja a que preço for. O gerente de uma concessionária de veículos é, hoje, um homem milionário, graças ao que retirou do Vasco. E nem mesmo os títulos que conquistou, com bastante ajuda de sua influência nos bastidores do futebol nacional, são suficientes para apagar os males que fez ao clube cruzmaltino, à sua torcida e ao esporte no Brasil.

Todo torcedor de bem, todo aquele que preza a honradez e a lisura no futebol, deve se unir para impedir esse retrocesso e lutar pela prevalência do direito e da moralidade. A nossa luta, assim, deve ser pela dignidade dos homens que o comandam e, nessa seara, não há lugar para gente como Eurico Miranda.

Fonte:

http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-19/vultos-do-futebol/eurico-

http://balipodo.com.br/?p=1911


http://veja.abril.com.br/100101/p_042.html


segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Ídolos rotos

(Publicado no site Panorama Tricolor em 25.01.2015)

Quando Conca anunciou que pretende deixar o Fluminense para ganhar muito mais dinheiro na China, reverberou na torcida tricolor uma onda de decepção. Maculou-se, para muitos, a imagem de um ídolo que seria insuscetível aos apelos do capital em detrimento de seu suposto amor pelo clube, principalmente num momento de previsíveis e severas dificuldades financeiras. Recrudesceu na torcida, assim, antiga discussão sobre idolatria.

Fulano de tal é ídolo”; “Não, Sicrano é quem é ídolo”; “Fulano é mais ídolo do que Sicrano” e por aí vai.

Li e ouvi amiúde sobre o assunto durante a semana. Discussões acirradas, calorosas e até ofensas pessoais foram perpetradas em defesa de quem se considera, segundo os contendores, verdadeiramente um ídolo.

Conca, Fred, Gum, Super-Ézio, Jandir, Branco, Romerito, Assis, Washington (os dois), Marcão e Renato Gaúcho - só para citar, a título de exemplo, alguns dos mais recentes nomes da história tricolor – foram considerados ídolos por algum torcedor, em algum momento, em algum debate. Conca e Fred, principalmente, na condição de ídolos de grande parte de torcedores da mais nova geração, encabeçaram as disputas.

Como poderia eu questionar a escolha de cada um? Meu ídolo não é melhor do que o seu, ele é simplesmente o meu e isso basta para mim, assim como o seu ídolo não é melhor do que o meu, porque se eu tenho os meus critérios para elevá-lo ao meu olimpo e você também tem os seus.

É uma questão de gosto pessoal e gosto, como se diz popularmente, não se discute. Um ídolo não é forjado apenas por critérios objetivos que todos devem necessariamente preencher, é escolhido por seu fã de acordo com a sua consciência e valores que enxerga no eleito, quaisquer que sejam. Trata-se de uma relação personalíssima, porque de absoluta afinidade, e unilateral – depende unicamente da escolha do fã – cuja subjetividade impede que seja impugnada (a relação) por quem quer que seja.

Afinal de contas, Adolf Hitler, o ditador austríaco genocida-racista-antissemita e Mahatma Gandhi, o líder hindu defensor do satyagraha[1], tão distantes em ideais e propósitos, são ídolos de nazistas e pacifistas, respectivamente. O homem que disse que "eu aprendi a descobrir o lado bom da natureza humana e entrar nos corações dos homens. Eu percebi que a verdadeira função de um advogado era unir partes separadas” tem fãs, assim como aquele que disse: “Temos de ser cruéis. Temos de recuperar a consciência tranquila para sermos cruéis.”, por incrível que possa parecer, também os têm.

Exemplos extremos que demonstram o subjetivismo da idolatria.

De volta ao Fluminense, um clube centenário, cuja história é gloriosa, não se poderia deixar de reconhecer a existência de seus ídolos. E não são poucos. Vivenciaram momentos importantes da epopéia tricolor e arrebanharam multidões de fãs, cada um a seu tempo. Não os distingo como maiores ou menores, ídolos ou não. Se existe quem os idolatra, esta condição deve ser respeitada. Cada qual que cultue como melhor lhe aprouver a sua idolatria, de acordo com seus próprios critérios, com seus valores e afinidades pessoais.

Não pode haver valoração entre entes forjados no imaginário de cada um e, por isso, especialmente únicos; não são melhores nem piores, são simplesmente ídolos. Pode-se discutir, contudo, sob a égide de critérios objetivos – as estatísticas existem para esse fim -, quem foi melhor ou pior; nesse ponto, porém, não se questiona a idolatria, invulnerável às críticas destrutivas e às máculas que lhe queiram atribuir, mas tão somente o jogador despido do manto santificado que lhe deu seu fã.

O ídolo é, portanto, intocável, quase um “santo” para o seu admirador.

Qualquer argumento para tentar convencer seu companheiro tricolor de que o seu é melhor do que o dele – seja porque assina contratos em branco, seja porque amputa um dedo para servir ao seu clube, ama verdadeiramente a instituição, ou mesmo porque não é um “mercenário” – será em vão.

Os nossos ídolos sempre serão deuses, e, os dos outros, ídolos rotos.

Sugiro, portanto, ao torcedor que discute quem é mais ou menos ídolatrado, mais ou menos “mercenário”, que se associe ao clube e canalize as suas energias tentando convencer, com idêntico esmero, o seu colega a associar-se também. É mais simples, pois custa apenas R$35,00 reais mensais, e poderá dar ao Fluminense, quem sabe, a sonhada autossuficiência, oportunidade em que os ídolos seremos todos nós, contribuintes perenes de uma nova e gloriosa história tricolor.

* Inspirado no título homônimo da novela de Manuel Díaz Rodriguez.





[1] é uma filosofia desenvolvida por Mohandas Karamchand Gandhi (também conhecido como "Mahatma" Gandhi: Grande alma Gandhi) para o movimento de Resistência não-violenta na Índia. (Wikipédia).

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Quando o direito de imagem tem natureza de salário

Um amigo tricolor, há poucos dias, me fez a seguinte pergunta: como ficaria a situação dos jogadores do Fluminense em relação ao clube se a Unimed continuar atrasando os seus direitos de imagem?

Esta é, por certo, a maior preocupação do torcedor tricolor, que espera que os problemas contratuais da Unimed com os jogadores do Fluminense, como Conca – já de saída -, Fred, Wagner, dentre outros, não repercuta na relação contratual destes com o clube. É também a preocupação de toda a sorte de torcedores adversários e de parte da imprensa, que anseiam por um desmanche profundo no elenco tricolor.

Respondi, de chofre, que a possibilidade de os jogadores acionarem judicialmente o Fluminense para alcançarem as suas liberações em decorrência dos atrasos de salários – três meses de salários atrasados automaticamente determinam o fim do vínculo jogador-clube devedor – era remota. Isso, porque a relação contratual dos jogadores com a Unimed é de natureza civil, distinta da relação trabalhista que têm com o clube e que os reiterados atrasos poderiam ser cobrados na esfera cível da empresa de planos de saúde sem que isso interferisse na relação trabalhista dos jogadores com o clube. Portanto, o Fluminense estaria resguardado de eventual debandada de parte de seu elenco em virtude do não pagamento dos direitos de imagem por parte da antiga patrocinadora.

Claro que, para nós, tricolores, a melhor solução para o caso seria esta e ela não deixa de ser, em tese, uma saída viável e legal. Ocorre, porém, que o Direito não é uma ciência exata e, intrigado com a pergunta, resolvi investigar um pouco mais sobre o tema.

Assim, em breves linhas, tentarei sintetizar a questão, sobretudo quanto ao que particularmente nos interessa – relação Unimed-jogadores do Fluminense-direito de imagem. O assunto demanda um estudo mais aprofundado, o que inviabilizaria a sua publicação virtual; mas, de tudo o que li sobre a matéria, procurei trasladar para este texto apenas o essencial, de modo a dar ao leitor uma impressão, ainda que resumida, das decisões judiciais mais recentes acerca do tema.

Importante, por primeiro, iniciar este breve estudo pelo conceito de direito de imagem. Segundo a doutrina, o direito de imagem é um direito personalíssimo e negociado diretamente entre o jogador (ou a empresa que o detém) com a entidade desportiva (clube de futebol), por meio de valores e regras livremente estipulados entre as partes, assegurado pelo art. 5º, XXVIII, “a”, da Constituição Federal. No âmbito infraconstitucional, está previsto no artigo 87-A, da Lei Pelé (Lei 9615/98).[1]

O próprio dispositivo legal assevera que o direito de imagem não se confunde com o contrato de trabalho desportivo, ou seja, não tem a natureza de salário. Se parássemos por aí, ótimo. A lei, em seu estrito sentido, determina que são contratos distintos. Um tem a natureza cível, o outro, trabalhista e cada um deve ser pleiteado na sua seara. A discussão, entretanto, deve prosseguir.

Clubes de futebol, visando à sonegação de impostos e outros direitos previdenciários e trabalhistas, passaram a utilizar o direito de imagem como forma de dissimular a verdadeira remuneração devida ao atleta em razão de sua contratação. Assim, estabelecem com o contratado um valor remuneratório subdivido em salário na CTPS e direito de imagem. Este último, contrato cível, livre dos encargos acima referidos, passa a ser a maior, por vezes quase a totalidade da remuneração do jogador, enquanto sobre a mínima parcela referente ao salário anotado na carteira de trabalho incidem, proporcionalmente, as despesas trabalhistas e previdenciárias. Essa situação anômala e fraudulenta foi levada aos Tribunais pelos jogadores de futebol, ante o indisfarçável propósito de o clube mascarar o pagamento de salário com o nome direito de imagem. O falseamento passou, então, a ser severamente combatido.

Os Juízes do Trabalho (1ª. instância), os Tribunais Regionais do Trabalho (órgãos recursais de 2ª. Instância) e até o Tribunal Superior do Trabalho[2] (órgão máximo da Justiça Trabalhista) abandonaram o entendimento de que o contrato de direito de imagem firmado entre os clubes de futebol  e os atletas eram distintos e firmaram a convicção de que o contrato de direito de cessão de direito de imagem pago aos jogadores de futebol tem natureza de salário, devendo incidir sobre o montante todas os encargos legais. O direito de imagem, assim, passou a integrar o salário do atleta, uma vez que aquele possuía o mesmo objeto do contrato de trabalho, ou seja, amalgamados, constituíam a integralidade da remuneração do atleta.

A fim de que não se confundam os institutos, vale aqui abrir um pequeno parêntese sobre a distinção entre direito de imagem e direito de arena. O direito de arena, ao contrário da cessão do direito de imagem, está previsto no art. 42, § 1º, da Lei 9.615/98 (Lei Pelé)[3] e decorre da participação do atleta nos valores obtidos pela entidade esportiva com a venda da transmissão ou retransmissão dos jogos em que ele atua como titular, ou reserva. A titularidade do direito de arena, assim, pertence à entidade desportiva a que está vinculado o atleta e a cessão de uso da imagem a este último, como seu direito personalíssimo.

Esta é a posição majoritária dos Tribunais quanto à relação clube-jogador no que concerne ao contrato de direito de imagem.

A matéria não é tão tranquila, entretanto, quando esse contrato é praticado entre uma empresa que, via de regra investe no clube, e o atleta a ele vinculado. Justamente por ser uma relação pouco usual, são raros os precedentes dos Tribunais sobre o tema.

A questão que interessa diretamente é o vínculo contratual entre a ex-patrocinadora do Fluminense e alguns dos jogadores do elenco, remunerados pela empresa a título de direito de imagem. Para se evitar o reconhecimento, como visto anteriormente na relação clube-jogador, dos valores recebidos a título de direito de imagem como se salários fossem, novo estratagema foi criado. Os atletas beneficiados passaram a criar uma pessoa jurídica para que esta pudesse receber diretamente a verda da cessão de uso da imagem sem que o clube ou mesmo o atleta apareçam diretamente no negócio jurídico.

Em princípio, cuidou-se de manobra com aparência legal. A matéria, porém, foi objeto de questionamento judicial através do recurso ordinário número 0000352-34.2011.5.01.0061 – RO, perante a 6ª. Turma[4] do TRT da 1ª. Região. E as partes: Fluminense F. C. como reclamado e Edcarlos Conceição Santos, o reclamante, que pretendia o reconhecimento dos valores que recebia a título de direito de imagem da Unimed como salário. O acórdão da referida turma julgadora reconheceu a possibilidade genérica do pagamento pelo uso da imagem do atleta, mas, no caso concreto, entendeu que o contrato de direito de imagem entre o jogador Edcarlos e a Unimed era fraudulento, uma vez que visava mascarar a real remuneração do contratado com o intuito de sonegar impostos.

Para se distinguir entre um contrato perfeito, sob a égide do Direito Civil e o contrato fraudulento, criado apenas para dissimular a verdadeira remuneração do atleta, utilizou-se o critério das respostas positivas a três perguntas:

1ª – O atleta realizou campanhas publicitárias veiculando o produto ou a marca?

2ª – O contrato de direito de uso de imagem é autônomo em relação ao contrato de trabalho?

3ª - Os valores recebidos como atleta profissional guardam proporcionalidade com aqueles pagos a título de licença por uso da imagem?

O entendimento do relator, desembargador José Antônio Piton, foi este:

Ao responder às perguntas supra, se extrai do conjunto probatório dos autos que: não há notícia de uma só campanha publicitária ou produto associado à imagem do autor que justifique o pagamento de R$60.000,00 (sessenta mil reais) mensais durante esses dois anos; o contrato “de uso de imagem” é acessório e dependente do contrato de trabalho, na medida em que há cláusula de rompimento automático desse pacto na hipótese de resilição da relação de emprego; os valores pagos pelo clube – R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais) – e pela patrocinadora – R$60.000,00 (sessenta mil reais) – são discrepantes, circunstâncias que aliadas sinalizam a promiscuidade existente entre a entidade esportiva e a patrocinadora. É cristalina a fraude quando a patrocinadora e o clube desportivo entram em conluio para violar direitos trabalhistas e sonegar impostos, ocultando a real remuneração do atleta sob as vestes de “direito de uso de imagem”. Por consequência, esses valores passam a integrar a remuneração do trabalhador para todos os efeitos legais. A ilicitude do contrato de natureza civil pode ser comprovada ante a interdependência com o contrato de trabalho, bem como pela ausência de provas quanto ao uso da imagem do jogador em campanhas publicitárias, sendo irrelevante o fato de o pagamento advir de terceiro ou ser depositado em contra de pessoa jurídica que o empregador compeliu o jogador a constituir para fraudar a lei, prejudicando o próprio trabalhador e terceiros, tais como a Receita Federal e o INSS.

Como se percebe, as três respostas foram respondidas negativamente. Não se teve notícia de qualquer campanha publicitária da empresa Unimed em que o jogador fosse protagonista, ou mesmo tivesse participado de qualquer forma, mesmo com a criação de algum produto associado à sua imagem; os contratos de direito de imagem e de trabalho não são autônomos, pois a resilição deste último enseja o encerramento automático do primeiro e os valores percebidos a título de contrato de trabalho não são proporcionais àqueles recebidos a título de cessão do uso da imagem, estes são sensivelmente maiores, bem maiores.

Este acórdão foi prolatado em 15 de maio de 2013 e constitui precedente importante e perigoso (para o clube), porque pode nortear novas decisões no mesmo sentido. Se jogadores do Fluminense buscarem a via judicial, provavelmente essas mesmas perguntas serão realizadas e as respostas, ao que tudo indica, como no caso Edcarlos, serão negativas. Tal fato, se ocorrer, significará o reconhecimento das verbas de direito de imagem como salários e estes, em atraso, darão ao jogador prejudicado o direito de deixar de competir quando a inadimplência durar dois meses ou mais (artigo 32, da Lei 9615/98 – Lei Pelé) ou mesmo de, automaticamente, ter o contrato rescindido com o clube e a liberdade para contratar com outro, quando os atrasos somarem três meses contínuos (artigo 31, da Lei Pelé).

Conforme dito anteriormente, o Direito não é uma ciência exata. É dinâmico, muda de acordo com as novas situações fáticas que surgem e se pauta na lei, mas também na jurisprudência. Trata-se de precedente único, que não vincula os novos julgadores a decidirem no mesmo sentido, mas indica um caminho a seguir. E se esse caminho for seguido, as chances de jogadores, em virtude de atrasos de contratos de direitos de imagem perpetrados pela Unimed, conseguirem a rescisão de contrato de trabalho com o Fluminense, sem que este tenha direito a qualquer contrapartida, são altas.





[1] Art. 87-A. O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).

[2] "RECURSO DE REVISTA. ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. DIREITO DE IMAGEM. INTEGRAÇÃO. DIFERENÇAS SALARIAIS. O direito à imagem, consagrado pelo artigo 5º, inciso XXVIII da Constituição Federal, é a garantia, ao seu titular, de não tê-la exposta em público, ou comercializada, sem seu consenso e ainda, de não ter sua personalidade alterada material ou intelectualmente, causando dano à sua reputação. A doutrina, entendimento o qual comungo, tem atribuído a natureza jurídica de remuneração ao direito de imagem, de forma semelhante às gorjetas nas demais relações empregatícias, que também são pagas por terceiro. (...) A jurisprudência desta Corte, de igual sorte, vem se formando no sentido de que o -direito de imagem- reveste-se, nitidamente, de natureza salarial, reconhecendo, ainda, a fraude perpetrada pelos clubes. Neste sentido, precedentes desta Colenda Corte Superior. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 2007120055040203 200-71.2005.5.04.0203, Relator: Renato de Lacerda Paiva, Data de Julgamento: 18/09/2013, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/09/2013)."
[3] “Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que participem.” (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).“ § 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil.” (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).

[4] CONTRATO DE DIREITO DE USO DE IMAGEM. INTUITO DE FRAUDAR REAL REMUNERAÇÃO. ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. EFEITOS. Em se tratando de direitos de natureza diversa, o salário e o direito de uso de imagem do atleta profissional possuem finalidades distintas: oprimeiro remunera a força de trabalho do jogadorem prol do clube desportivo, ao passo que o segundo se traduz em direito personalíssimo negociado livremente pelo atleta com terceiros, tendo por objetivo vincular à sua imagem ao produto ou marca que pretende promover. No entanto, quando o patrocinador e o clube desportivo entram em conluio para fraudar direitos trabalhistas e sonegar impostos, os valores pagos sob a nomenclatura de “direito de uso de imagem” passam a integrar a remuneração do trabalhador para todos os efeitos legais. A ilicitude do contrato de natureza civil pode ser comprovada ante a interdependência com o contrato de trabalho, bem como pela ausência de provas quanto ao uso da imagem do jogador em campanhas publicitárias, sendo irrelevante o fato de o pagamento advir de terceiro ou ser depositado em conta de pessoa jurídica que o empregador compeliu o jogador a constituir para fraudar a lei, prejudicando o próprio trabalhador e terceiros, tais como a Receita Federal e o INSS.


quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Seja bem-vinda, Frescatto

Fiquemos apenas no âmbito Rio-São Paulo

Corinthians:

“De acordo com o site UOL, o Corinthians possui dívidas com mais da metade de seus titulares, além de alguns reservas.
Passando por uma crise financeira, o Timão atrasou os direitos de imagem dos jogadores em até três meses, além de ter premiações vencidas. Questionado sobre o assunto o diretor financeiro do time, Raul Correa da Silva, não quis comentar.
A temporada 2015 deve ser ainda mais complicada para as finanças do clube que precisará pagar R$ 100 milhões pela primeira parcela de sua Nova Arena.
Neste ano, o orçamento do time paulista estourou em cerca de R$ 44,6 milhões. Entre patrocínios e receitas, o Timão esperava ter uma arrecadação de R$ 76,1 milhões e R$ 32,5 milhões. No entanto recebeu R$ 73 milhões e R$ 18,5 milhões.”

Santos:

“A crise financeira do Santos, que causou direitos de imagem atrasados e fez até telefones serem cortados, obrigou o Peixe a negociar percentuais de suas duas principais revelações depois de Neymar.Gabriel e Geuvânio tiveram partes de seus direitos econômicos negociado com o grupo de investimentos Doyen Sports.” 
Fonte:

Mais Santos:

O atacante Leandro Damião é mais um atleta do Santos a entrar na justiça contra o clube cobrando os vencimentos atrasados do clube. Desde setembro sem receber salários e direitos de imagem, além da dívida de seu 13º, o atacante, emprestado ao Cruzeiro, é o 5º jogador a processar o alvinegro praiano: Aranha, Arouca, Mena e Matheus Índio já haviam procurado as vias judiciais e buscam rescindir seus contratos com o Peixe.
Caso Damião consiga sua liberação, os R$42 milhões de reais que o Santos gastou para contratar o atacante deverão ser pagos à Doyen Sports. Sem a possibilidade de vendê-lo, o prejuízo seria todo do alvinegro praiano.

Palmeiras:

“Em um ano que deveria ser de contenção de custos, os clubes brasileiros, mais uma vez, aumentaram suas dívidas durante 2014. É o que mostram balancetes deles publicados no segundo semestre e dados coletados pelo blog. Entre os times de São Paulo, quem teve maior crescimento de passivo foi o Palmeiras. Essa é a terceira matéria sobre a crise do futebol nacional.”

São Paulo:

As previsões não são boas. Em 2014, déficit de mais de R$ 100 milhões. Para 2015, é previsto prejuízo de R$ 53 milhões. Sem patrocinador e com folha salarial perto dos R$ 10 milhões mensais, o São Paulo tem o desafio de evitar os mesmos problemas deste ano, quando atrasou salários e direitos de imagem. O orçamento para o próximo ano será R$ 284,4 milhões, e o teto salarial, R$ 300 mil.

Flamengo:

“Em conversa com a reportagem do UOL Esporte, atletas do futsal, vôlei e outras modalidades, por exemplo, até hoje não compreenderam por que tiveram os lanches pós-jogo (um pacote de biscoito ou um sanduíche de queijo, mais um copo de guaraná natural) suspensos há quase dois anos, sob a alegação de contenção de despesas. O custo total? R$ 8 mil anual. (…) Segundo pais de atletas, o abandono vai além dos lanches. No vôlei, por exemplo, o clube não custeia mais as passagens de viagens de ônibus. O aluguel do transporte é dividido entre os atletas. Para conseguirem bancar as despesas, parentes vendem rifas e doces na Gávea.”

“Ranking de dívidas tem Flamengo campeão e Criciúma lanterna; veja a lista”.

 

Fonte: http://estadiovip.com.br/67573/ranking-de-dividas-tem-flamengo-campeao-e-criciuma-lanterna-veja-a-lista

 

Vasco:

 

“Em rotina de encontros com alguns membros da direção atual e reuniões informais com seus pares, o futuro presidente toma pé de algumas informações para colocar a mão na massa a partir de quinta-feira. Nos próximos dias, os diretores do clube devem finalizar um relatório de gestão que vai mostrar uma dívida acima de R$ 500 milhões. (...)Ainda não há uma sinalização clara com relação à permanência da Caixa Econômica Federal e, além disso, a diretoria que sucede Dinamite precisa ir atrás de recursos e pagar os cerca de R$ 10 milhões em impostos atrasados. (...)No clube, funcionários, treinadores e diretores da base ainda não sabem se permanecem no clube.”

 

Fonte: http://globoesporte.globo.com/futebol/times/vasco/noticia/2014/11/com-divida-acima-de-r-500-milhoes-vasco-prepara-relatorio-para-transicao.html

 

Botafogo:

 

"Pior do que eu imaginava". Com esta frase, o novo presidente do Botafogo, Carlos Eduardo Pereira, resumiu a preocupante situação financeira do clube. Com um dívida total de R$ 750 milhões, o Alvinegro precisaria juntar o dinheiro equivalente a toda a sua arrecadação de cinco anos para pagar o valor que está em débito.”

 

Fonte: http://espn.uol.com.br/noticia/464647_para-pagar-divida-de-r-750-milhoes-botafogo-precisa-juntar-arrecadacao-de-cinco-anos;

 

Seja bem-vinda, Frescatto.


ST






Florida Cup

O Fluminense estreia hoje, às 20h (horário de Brasília), contra o Bayer Leverkusen pelo torneio Florida Cup.

Serão quatro as equipes participantes: os dois confrontantes acima, além de Corínthians e Colônia, outro clube alemão.

Encarar o torneio como uma competição que se deva vencer poderá causar alguma frustração no torcedor tricolor. Melhor tê-la como uma excelente oportunidade para divulgação internacional da marca Fluminense e para se observar alguns dos jogadores recém contratados.

O Fluminense – e o Corínthians também – está iniciando uma pré-temporada, logo após período regulamentar de férias, enquanto as equipes alemãs estão “a todo o vapor”, disputando o campeonato nacional de seu país e o Bayer, inclusive, disputa, também, a Liga dos Campeões. Ritmo de jogo, entrosamento e preparação física, portanto, serão preponderantes para um bom desempenho no míni torneio.

Como se sabe, até mesmo nos campeonatos regionais, os grandes clubes, não raras vezes, encontram sérias dificuldades para subjugar os de menor investimento quando estes, por não disputarem competições no segundo semestre do ano anterior, possuem um tempo maior de preparação. Esse período “extra” faz toda a diferença – leia-se preparação física - num âmbito restrito como o campeonato carioca, por exemplo; imagine quanta diferença fará quando dois times europeus em plena atividade enfrentarem outros dois que ainda iniciam a preparação para a temporada vindoura.

O Tricolor teve apenas quatro sessões de treino no ano e o próprio Cristóvão, ciente dos riscos de que jogadores, ainda em fase embrionária de preparação física, possam se lesionar, sinalizou que trocará toda a equipe no intervalo da partida.

Assim, o torneio valerá menos pelo resultado do que pela exposição internacional da marca tricolor e da possibilidade de se observar algumas das novas contratações do Fluminense, o que não afasta, de forma alguma, a torcida pelo título. Só não dá para criar expectativas demais pela sua conquista.

De toda a sorte, melhor preparar-se para uma temporada enfrentando Bayer e Colônia do que Red Bulls da vida.


Avante, Fluminense! ST

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

O fair play financeiro dos clubes de futebol

(Publicado no site Panorama Tricolor em 11.01.2015)

A CBF, através do artigo 105, do Regulamento Geral das Competições, anunciou, no mês de dezembro, a criação de normas do fair play financeiro e trabalhista que estabelecem requisitos e responsabilidades visando ao saneamento fiscal e financeiro dos clubes, sob pena de aplicação de penalidades desportivas. As normas específicas serão publicadas nos regulamentos de cada competição ou através de resoluções da própria CBF.

O que isso significa na prática? Significa que do jeito que está não dá para ficar. E como está? Clubes endividados continuam se endividando irresponsavelmente, contratando sem poder, gastando sem limites e, consequentemente, deixando de arcar, principalmente, com suas obrigações tributárias e trabalhistas, principalmente. Aliás, o débito tributário é a maior fatia do endividamento dos clubes.

As ligas esportivas profissionais americanas e a UEFA (Union of European Football Associations), a fim de controlar essa gastança desenfreada, a responsabilidade, a transparência e o controle na gestão dos clubes, adotaram o fair play financeiro nas competições que organizam. Baseia-se numa fórmula simples que é a de que não se deve gastar mais do que se arrecada, sob pena de aplicação de penalidades administrativas no âmbito esportivo, que vão desde uma simples multa até a proibição de se participar de competições organizadas pelas referidas entidades.

Antes de adentrar, especificamente, na seara nacional, vale conhecer um pouco do que acontece na Europa, onde o sistema está implantado oficialmente desde 2011.

O FFP (financial fair play) foi adotado pela UEFA, seguindo o modelo das ligas norte-americanas de esportes profissionais, com o objetivo de melhorar a saúde financeira do futebol europeu de clubes. Basicamente, os clubes que se qualificam dentro de campo para as competições da UEFA têm de se qualificar também fora dele, demonstrando que não possuem dívidas em atraso em relação a outras agremiações, jogadores, segurança social e ao Fisco (dívidas fiscais) e que estão com as suas contas em dia, respeitando uma gestão equilibrada nos negócios, ou seja, que não gastam mais do que arrecadam, o chamado break-even, expressão utilizada em economia e finanças para designar o ponto a partir do qual uma empresa deixa de perder dinheiro e passa a ganhar e equilibrar o capital investido.

Para que o controle seja efetivo, a fiscalização dos clubes europeus se dá por um comitê financeiro que analisa as suas contas nos últimos três anos, estipulando um limite de gastos por período de avaliação – a partir de 2015 o valor será de 30 milhões de euros anuais com uma margem para que seja extrapolado em no máximo 5 milhões de euros o que recebem como fontes de receita.

Atendidos esses pré-requisitos, os clubes estarão aptos às disputas organizadas pela associação europeia. Não atendidos, estarão sujeitos às seguintes sanções: i)  advertência; ii) repreensão; iii) multa;
iv) dedução de pontos;
v) retenção das receitas de uma competição da UEFA; vi) proibição de inscrição de novos jogadores nas competições da UEFA;
vii) restrição ao número de jogadores que um clube pode inscrever para a participação em competições da UEFA, incluindo um limite financeiro sobre o custo total das despesas com salários dos jogadores inscritos na lista principal para a participação nas competições europeias; viii) desqualificação das competições a decorrer e/ou exclusão de futuras competições; ix) Retirada de um título ou prêmio.

A medida saneadora pode parecer, à primeira vista, a fórmula perfeita para a salvação financeira dos clubes e do próprio futebol mundial. Alguns clubes europeus, por exemplo, foram suspensos pela UEFA por não cumprirem o fair play financeiro imposto pela entidade. Assim, por exemplo, recentemente receberam a sanção o Bursaspor, da Turquia, o Ekranas, da Lituânia, além de Cluj e Astra Giurgiu, da Romênia, que não poderão participar das Ligas dos Campeões e Europa, incluindo as suas fases de classificação. Outros, também, foram severamente multados, como o Manchester City e o Paris Saint-Germain; multas elevadíssimas, de 60 milhões de euros para cada clube, que, por certo, não agradaram aos seus gestores. Blackburn Rovers, Leeds United e Nottingham Forest não poderão contratar jogadores na próxima janela de transferências da Europa, em janeiro, pois também violaram as regras de fair play financeiro.

Os exemplos de sanções são muitos e somente o tempo dirá se todas serão efetivamente cumpridas.

Por outro lado, o próprio PSG já encontrou uma saída para burlar a fiscalização de suas contas.  Gastou até os seus limites – impostos pela UEFA - ao trazer David Luiz por € 53 milhões. Mas não parou de contratar, a fim de satisfazer a sanha consumista e megalomaníaca de seu dono, o sheik Nasser Al-Khelaïfi. Anunciou, assim, a chegada de Serge Aurier, lateral que se destacou na Copa do Mundo pela Costa do Marfim. O seu preço, porém, era de € 9,5 milhões, o que extrapolaria os limites de sua cota de gastos para o ano de 2014. Para contratar o jogador, despendendo mais do que deveria, realizou negócio jurídico de empréstimo pelo período de um ano, ficando acertado em contrato que seu repasse definitivo ao clube parisiense seria obrigatório após o decurso daquele prazo. Ou seja, pelo valor do empréstimo paga-se consideravelmente menos, adequando-se, assim, ao teto estabelecido pelo fair play financeiro, transferindo-se o preço efetivo pelos direitos para o ano seguinte, já sob a égide de uma margem agora compatível com as suas necessidades, uma vez que a contratação “dispendiosa” (David Luiz) fora realizada no ano anterior. Não há, em princípio, nada de ilícito nessa postergação negocial, o que pode vir a ser uma válvula de escape para o desrespeito ao fair play aqui no Brasil também.

A medida “perfeita”, assim, pode ter suas brechas e outras podem surgir quando efetivamente implementada em solo tupiniquim, até porque nisso somos mestres. Apesar de ser uma ação aparentemente bem intencionada, não está encontrando a receptividade que se esperava em solos europeus, pelo menos por parte dos dirigentes dos clubes; afinal de contas, ninguém gosta de ser punido, de sofrer pesadas multas e ser cobrado politicamente pela formação de equipes modestas que não renderão o esperado nas competições europeias em virtude das limitações da medida, mesmo que o propósito seja a salvação de suas instituições e até do próprio futebol.

O blogueiro Emerson Gonçalves, do “Olhar Crônico Esportivo”, ao analisar os resultados de uma pesquisa realizada sobre a repercussão do fair play esportivo no futebol inglês, corrobora o entendimento de que o desejo, às vezes mais do que a necessidade, dos gestores dos grandes clubes europeus – sheiks, milionários russos, dentre outros, - de esbanjar para conquistar, contribui para o desequilíbrio financeiro das equipes. Assevera que: “Entre os muitos fatores que contribuem para aumentar a instabilidade e o risco econômico dos clubes está a dependência do proprietário ou de um pequeno número de acionistas, interessados sempre em conseguir sucesso no campo (e resultados financeiros, na essência) no curto prazo”. Segundo o mesmo blog, 65% dos clubes da Premier League são dependentes dos principais acionistas. Conclui-se, sem dificuldade, que acionistas e proprietários milionários, para quem o “céu é o limite”, não se submeterão facilmente às regras de limitação financeira de gastos, mormente quando, sobre essa gente sempre paira a desconfiança de que a enxurrada de dinheiro investido sirva para dissimular negócios escusos – a famigerada lavagem de dinheiro.

Há outras implicações, suscitadas por especialistas do velho continente, que lançam sobre o fair play financeiro a pecha da ilegalidade.  E este pode ser o caminho para a derrubada do FFP na Europa. Um dos maiores especialistas em direito esportivo europeu, o advogado Jean-Louis Dupont – cuja interferência judicial foi responsável pela criação da Lei Bosman, que derrubou a Lei do Passe em solo europeu na década de 1990 – é um dos principais opositores do projeto e já afirmou que “a regra de igualdade de gastos não irá ajudar na estabilidade dos clubes a longo prazo. O único objetivo que será alcançado é que irá congelar a estrutura existente de mercado, o que significa que os grandes clubes permanecerão grandes. Como você pode dizer que isso é bom para o futebol? Simplesmente vai engesssar o sistema.” Markus Sass, da Universidade de Magdeburg, na mesma linha, afirma que: “Como clubes menores não são autorizados a gastar mais e, assim, investir em um modo de aumentar o seu tamanho de mercado no futuro, o modelo prevê uma tendência negativa no equilíbrio competitivo.” Alinham-se aos dois Paul Madden, da Universidade de Manchester, Rob Simmons, da Universidade de Lancaster e outros especialistas em direito esportivo, para quem em que pese o valor da intenção, a regra do fairplay financeiro pode criar um problema maior de competitividade, impedindo o livre comércio, uma premissa básica da liberdade econômica da União Europeia e dos acordos comerciais entre os países.

Importante frisar que, para esses estudiosos, não haveria justiça desportiva e legalidade no controle dos gastos dos clubes pela UEFA, uma vez que os atletas teriam um mercado menor para atuar e os seus salários seriam diminuídos em razão da adequação aos limites fixados pelas normas do fair play. Deve-se, nessa toada, identificar a diminuição da circulação de atletas – restrição negocial em razão de um mercado enxuto – como uma barreira ao livre comércio. Aqui no Brasil o mesmo argumento poderia ser aduzido através de questionamentos judiciais por ofensa ao artigo 170, parágrafo único da Constituição da Republica, que também garante o livre exercício de qualquer atividade econômica, o que, inevitavelmente, traria obstáculos ao implemento das punições aos clubes de futebol, inviabilizando as competições em decorrência da interposição de incontáveis medidas judiciais.

A própria UEFA – leia-se Michel Platini – já se manifestou no sentido de que a regra é restritiva e vai contra o espírito da competição, mas seria a opção “menos pior” comparada ao risco de “quebradeira” dos clubes.

Mudando o foco para o Brasil, seria possível que essa opção “menos pior” funcionasse por aqui? Na Europa, as famigeradas “brechas” já foram criadas – vide PSG – e outros clubes, como o Manchester City, procuram o Judiciário para evitar a aplicação de pesadas multas, como aquela de 60 milhões de euros aplicada por descumprimento do fair play financeiro.

O Bom Senso F.C., os representantes dos Clubes e a CBF já se reuniram e acordaram um modelo de fair play similar ao europeu em obrigações e sanções – adequando-o à realidade nacional para incluir o atraso ou não pagamento dos direitos de imagem, a possibilidade de rebaixamento, a aplicação da pena somente nas competições seguintes (não haveria a perda de pontos), a fim de não inviabilizar através de medidas judiciais a competição em andamento e a impossibilidade de reeleição dos dirigentes responsáveis.  Os clubes também não poderiam antecipar receitas para a contratação de jogadores, apenas para custear dívidas com a construção de centros de treinamento e estádios. Seria criado, ainda, um órgão regulatório para fiscalizar a atuação financeira dos clubes formado por dois conselhos. O primeiro, integrado por representantes dos jogadores, treinadores, árbitros, patrocinadores, clubes e da própria CBF; o segundo, por especialistas da área.

Frise-se que a proposta acordada pelo Bom Senso com a CBF e os clubes deverá ser integralmente acolhida pela confederação nacional nos regulamentos de suas competições. No entanto, o maior credor dos clubes, o Estado, também planeja incluir no Projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal (LRFE) regras de responsabilização dos clubes e seus dirigentes. Resta saber se não haverá incompatibilidade entre ambas, porque se houver, prevalecerá sempre a lei que, por certo, será promulgada depois de emendas e lobbys promovidos por grupos parlamentares que defendem interesses outros que não o da moralização do futebol brasileiro, o que é um risco.

O certo é que o fair play financeiro, como estatuído no artigo 105 do Rgulamento Geral das Competições da CBF, estará em vigor, ainda que administrativamente, já para as competições nacionais de 2015.

Estamos, porém, prontos para recebê-lo como a solução para a irresponsabilidade e incompetência de nossos dirigentes?

O jornalista Luiz Augusto Veloso publicou, no Jornal O Globo de 28 de dezembro de 2014, texto intitulado “Fair play financeiro no futebol já!” em que reconhece o instituo, nos moldes do aplicado pela UEFA e ligas americanas, como medida necessária e suficiente para uma mudança radical e profunda na forma como os clubes são administrados, porque “nada mobiliza e aflige tanto os dirigentes de futebol como os resultados esportivos de sua equipe (...) A impulsividade, a irresponsabilidade ou a incompetência doerão na carne, naquilo que é mais sagrado no esporte: vencer ou perder.”

Eu não seria tão veemente quanto o nobre jornalista, cuja opinião respeito e até compreendo, todavia com sensíveis ressalvas. Honrar compromissos deveria ser a regra e não a exceção, não apenas no futebol, mas em qualquer relação social. Providências realmente devem ser adotadas para que o esporte sobreviva às insanidades financeiras promovidas por muitos de seus gestores. Não será, entretanto, a partir de regulamentações bem-intencionadas, mas sem efetividade, que o break-even será atingido. Para que o fairplay financeiro seja compreendido pelos mandatários do futebol como uma medida saneadora dos clubes e que visa à preservação da própria existência do esporte, não basta importá-lo e aplicá-lo à nossa realidade pura e simplesmente.

O que “dói na carne” do “cartola”, ao contrário do que afirma o ilustre jornalista, não é o perder ou vencer; é, ao contrário, o seu bolso ou a sua liberdade. É isso o que “mobiliza e aflige os dirigentes esportivos”. Os resultados da equipe, perdas de pontos, desclassificações, rebaixamentos atingem diretamente o clube de futebol e o que ele tem de mais sagrado, que é o seu torcedor, seu maior patrimônio, e apenas indiretamente os seus dirigentes. Portanto, se o fair play não vier acompanhado de medidas que os responsabilizem civil e criminalmente, nada efetivamente mudará.

Apenas a título de exemplo, com o que estariam preocupados o senhor Manuel da Lupa e outros integrantes da cúpula da Portuguesa de Desportos envolvidos no escândalo da venda de vaga na série A? Com a possibilidade de o seu clube ser punido com perda de pontos, rebaixamento? Claro que não. Quando venderam a vaga estavam preocupados apenas com seus próprios bolsos e se locupletaram às custas do patrimònio e até da própria futura existência da instituição paulistana. E é isso o que ocorre, em maior ou menor escala nos clubes brasileiros. Os dirigentes que malversam as verbas sob suas responsabilidades, que não honram compromissos, que agem com má-fé, em regra, põem seus interesses e ambições pessoais acima das dos clubes que comandam. Seja por dinheiro, seja por interesse político, o clube, via de regra, não está em primeiro lugar. Punir somente o clube, multar somente o clube é punir o seu torcedor, porque se os mandatários realmente fossem administradores responsáveis, sentiriam a dor das punições a eles (clubes) infligidas e, provavelmente, não haveria motivos para que se criasse um fair play financeiro.

Tais medidas, entretanto, não poderiam ser veiculadas em regulamentos administrativos; portanto, nem a FIFA nem a CBF poderiam estipulá-las. Somente a União, através do devido processo legislativo, poderá editar disposições legais que imponham responsabilizações civis e penais sobre dirigentes esportivos.

Para que possa corrigir uma cultura de dilapidação do patrimônio das entidades futebolísticas brasileiras, a proposta da CBF deve alcançar as brechas legais para que não se torne inócua e alvo de inúmeras ações judiciais, além de levar em consideração outras situações que devem ser apreciadas no momento do cumprimento dos ajustes financeiros firmados, como a culpa exclusiva de terceiro. Nem sempre, e não se deseja aqui excluir a responsabilidade dos gestores, a malversação das verbas decorre de irresponsabilidade ou incompetência dos atuais mandatários. As dívidas atuais e que, não raro, impedem o adimplemento dos compromissos financeiros dos clubes, foram forjadas há décadas e são heranças malditas de muitos dirigentes de outrora que também agiam,  como outros tantos hoje, sem qualquer controle e compromisso, dilapidando o patrimônio de suas instituições.

Ademais, como aconteceu há não muito tempo com o Fluminense Football Club, a atuação discricionária, no caso até arbitrária, da Administração Pública Fiscal, impediu a renegociação das suas dívidas fiscais, sufocando-o financeiramente a ponto de não poder honrar diversos compromissos, inclusive salariais. Admitiu, porém, violando expressamente o princípio da igualdade, a concessão do benefício a outras agremiações em idêntica situação fiscal.

N’outro ponto, importante fixar o alcance do conceito de arrecadação, necessário para se estabelecer os limites do que se pode gastar. Um conceito aberto, vago, possivelmente gerará dúvidas que inviabilizarão a aplicação das sanções e ensejará ações e recursos judiciais ou novas formas de burla, como admite o âncora de esportes da CNN International, Pedro Pinto: “No fim das contas, os grandes clubes são como grandes marcas e sempre encontrarão uma maneira de fazer dinheiro, seja através de um contrato de patrocínio, uma turnê antes da temporada ou investimentos de novos parceiros, as opções estão aí para serem exploradas.”.

Estas situações pontuais precisam ser analisadas caso a caso a fim de que o fair play seja um instrumento de salvação financeira dos clubes de futebol. Aplicá-lo sem as devidas correções e adequações ao futebol nacional pode constituir-se em instrumento de injustiça e desigualdade. Deverá, assim, ser menos um instrumento sancionatório dos clubes e, por via de consequência, de suas torcidas, do que dos dirigentes inescrupulosos. A aptidão para se corrigir anos e anos de uma cultura irresponsável de gestão administrativa no futebol dependerá da efetividade do cumprimento das penas e de seu direcionamento também e, principalmente, ao mau gestor, que deverá ser responsabilizado civilmente, através de seu próprio patrimônio, e criminalmente, cumprindo pena pelos crimes de gestão temerária, apropriação indébita, fraude à execução, estelionato, dentre outras tipificações legais, porventura adequadas ao caso concreto.

Sem a adoção dessas medidas por parte da CBF e do Estado – não impor barreiras ao livre comércio, estabelecer conceito claro de arrecadação, analisar a responsabilidade exclusiva de terceiros no descumprimento das metas, responsabilização civil e criminal dos gestores etc -, cada um no âmbito de suas atribuições, supletivamente ao que já existe na Europa e se pretende fazer cumprir aqui, qualquer movimento pela moralização do futebol será incompleto e, portanto, inócuo.

A partir disso poderemos pensar, verdadeiramente, numa nova forma de administrar os rumos do esporte, com responsabilidade, eficiência, controle e compromisso. Este é o verdadeiro  espírito do fair play financeiro. Enquanto isso, contudo, clubes e seus torcedores pagarão pela desídia de seus maus gestores.

Fontes:










http://globoesporte.globo.com/platb/olharcronicoesportivo/category/ffp-financial-fair-play/