Portuguesa e flamengo, clubes que foram
punidos pelo STJD com a perda de pontos por terem escalado jogadores de forma
irregular na última rodada do campeonato brasileiro de 2013, não têm argumentos
jurídicos que possam fazer reverter a legítima decisão do órgão julgador
desportivo na Justiça Comum.
É preciso esclarecer de uma vez por todas que,
nem mesmo o fundamento criado não se sabe por quem, mas encampado por grande
parte da imprensa esportiva e outros interessados, de que o ato legislativo
denominado Estatuto do Torcedor, Lei 10671/2003, teria prevalência sobre as
normas próprias da Justiça Desportiva, possui qualquer valor jurídico.
Trata-se de um entendimento criado de forma
superficial, incabível ao caso concreto e equivocadamente amparado nas regras
de conflitos de normas jurídicas.
Afirmar-se, pura e simplesmente, que o
Estatuto do Torcedor deve prevalecer sobre a norma administrativa que regulamenta
a atividade desportiva nacional, e que, por isso, a decisão do STJD deveria ser
revista por ter descumprido determinação legal para a intimação da parte cujo
atleta foi suspenso por infração disciplinar, é pura tolice.
Tão frágil e sem fundamento, que o Promotor de
Justiça Roberto Senise, aquele mesmo que fabricou uma ação civil pública para
que se fizesse valer o Estatuto em detrimento da decisão do STJD, não conseguiu
melhor sorte nem mesmo ao tentar obter do Poder Judiciário uma liminar na
referida ação. Foi indeferida de plano, e é importante observar, neste ponto,
que liminares (antecipação de tutela), via de regra, são decisões baseadas numa
apreciação superficial, e concedidas se presentes a urgência/necessidade do
pedido e a verossimilhança do alegado (artigo 273, do CPC).
Assim como esta empreitada que está fadada ao
fracasso, também estão as ações manejadas por “torcedores” de flamengo e
Portuguesa e que têm o mesmo objetivo. Todas foram cassadas e continuarão
sendo, pois utilizam o mesmo fundamento acima referido, fundamento que não
convence nem mesmo um estudante de primeiro ano do curso de Direito.
E por que não se presta a nada esse argumento?
Primeiro, porque é preciso dizer que a regra
estampada no artigo 35, § 2º, do Estatuto, não é incompatível com o artigo 133,
do CBJD, que determina:
Art. 133. Proclamado o resultado do
julgamento, a decisão produzirá efeitos imediatamente, independentemente de
publicação ou da presença das partes ou de seus procuradores, desde que
regularmente intimados para a sessão de julgamento, salvo na hipótese de
decisão condenatória, cujos efeitos produzir-se-ão a partir do dia seguinte à
proclamação. (Redação dada pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
Ou seja, diz o dispositivo que os clubes foram
devidamente intimados das punições aos seus atletas, uma vez que seus advogados
(representantes) participaram das sessões de julgamento e ficaram cientes de
todo o ocorrido. Somente isto bastaria para que se tivesse por intimado o clube
ao qual pertence o atleta infrator, mas o advogado da Portuguesa foi além e
informou por telefone o teor da decisão. (já comprovou perante o Ministério
Público que realizou ligação telefônica informando a suspensão do atleta aos
dirigentes do clube paulista).
Tal fato (a falta da intimação), de tão óbvio,
nem mesmo foi alegado no primeiro julgamento.
Aí surge a tese estapafúrdia de que os clubes
somente poderiam estar intimados após a publicação da decisão no sítio da
entidade CBF com base no artigo 35, §2º, da Lei 10671/2003 (ET).
Art. 35. As decisões proferidas pelos
órgãos da Justiça Desportiva devem ser, em qualquer hipótese, motivadas e ter a
mesma publicidade que as decisões dos tribunais federais.
§ 1o Não correm em segredo de justiça os
processos em curso perante a Justiça Desportiva.
Muitos, de forma casuística, desprezando
princípios básicos do direito, relegando as normas de hermenêutica jurídica ao
último plano, entenderam, como se verdade fosse, que o referido dispositivo
legal prevaleceria sobre o Código de Justiça Desportiva, mormente o seu artigo
133.
Ledo engano, ou proposital engano. Seja lá o
que for, não há qualquer espécie de prevalência da Lei Ordinária sobre o Código
Desportivo, apesar deste constituir-se por normas de natureza administrativa.
Isso, porque a Constituição da República, a
lei das leis, determina em seu artigo 217, inciso I, que a Justiça Desportiva
não é órgão do Poder Judiciário. Assim, Justiça Desportiva e Justiça Comum são
autônomas, a primeira, entidade administrativa; a segunda, órgão do Poder
Judiciário. O mesmo artigo, em seu parágrafo 1º, veda ao Poder Judiciário a
apreciação de causas relativas à Justiça Desportiva, enquanto não esgotadas as
suas instâncias.
Tal fato, por certo, revela a preocupação do
constituinte em impedir que ações judiciais obstaculizem a organização das
competições nacionais, ou mesmo, a própria continuidade da competição ante a
possibilidade de que venha a ser interrompida ou suspensa a qualquer tempo por
decisões judiciais.
Portanto, não há qualquer ingerência do
Estatuto do Torcedor na organização da Justiça Desportiva, a qual teve a sua
criação autorizada e a sua independência determinada por expressa previsão
constitucional, ato normativo superior a qualquer outra lei nacional.
Por outro lado, mesmo que se permitisse essa
ingerência, o que, frise-se, é incabível, nem assim, o direito socorreria aos
detratores da decisão do STJD.
O Estatuto do Torcedor, como diz o nome, foi
criado para o torcedor. A publicidade estampada no seu artigo 35 é um direito
do torcedor. Uma leitura atenta do código revela que é o torcedor o principal destinatário
de suas normas.
Note-se que o citado artigo 35 está inserido
no capítulo X, Da Relação com a Justiça Desportiva. Da relação de quem com a
Justiça Desportiva? Está claro que é da relação do torcedor com essa Justiça.
O artigo 34, inserido no mesmo capítulo, sobre
a mesma relação com a Justiça Desportiva, indica que:
Art. 34. É direito do torcedor que os órgãos da Justiça Desportiva,
no exercício de suas funções, observem os princípios da impessoalidade, da
moralidade, da celeridade, da publicidade e da independência.
É direito do torcedor. O Estatuto trouxe ao
mundo jurídico direitos dos torcedores. Uma leitura rápida fará notar mesmo a
quem não deseja, que o Estatuto estabelece direitos dos torcedores perante as
entidades que administram o futebol brasileiro.
Assim, fica fácil concluir que o Estatuto do
Torcedor regulamenta direitos dos destinatários finais do futebol, que são os
torcedores. A publicidade prevista no artigo 35 da Lei 10671/2003, nada mais
significa do que a necessidade que as decisões da Justiça Desportiva devem ser
motivadas e publicadas, a fim de que todos nós tenhamos acesso ao conteúdo dos
atos (por isso as decisões devem ser publicadas) e possamos impugnar o
fundamento de decisão que entendamos abusiva ou ilegal (por isso as decisões
devem ser motivadas).
É somente esse o propósito do artigo 35 do ET.
Ao contrário, porém, o CBJD (Código Brasileiro
de Justiça Desportiva) regulamenta a relação entre a Justiça Desportiva e o
infrator disciplinar, o denunciado que será submetido a julgamento pelo
cometimento da infração no âmbito desportivo.
Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra
coisa. Apesar de supostamente incompatíveis, na verdade, assim como diversas
outras disposições legais aparentemente colidentes, convivem em harmonia no
ordenamento jurídico, cada uma em sua seara.
Vale dizer, por fim, que a decisão que retirou
os pontos dos supracitados clubes é absolutamente legal, pois encontra amparo
na legislação vigente e na própria Constituição Federal, sendo legítima,
também, a permanência do Fluminense na série A do campeonato brasileiro de
2014.
Deveriam esses clubes, ao invés de provocar,
mesmo através de torcedores, o Judiciário, buscarem a responsabilização
daqueles profissionais que, no mínimo por desídia, provocaram os gravíssimos
erros que levaram às escalações de dois jogadores em situações irregulares.
Deveria a imprensa agir com isenção e ética e
não fomentar argumentos pueris e versões fraudulentas. Buscasse a verdade e
talvez o imbróglio já tivesse sido solucionado há tempos, tanto com a responsabilização
dos culpados, como com a descoberta dos motivos pelos quais tamanha
coincidência ocorreu na última rodada do campeonato de 2013.
Não foi mero acaso, isso não foi. Alguém pagou
e alguém vendeu, só resta saber o preço da dignidade desses sujeitos.
Enquanto o Fluminense servir como o culpado
ideal, não encontrarão culpado algum para os seus erros, infelizmente.
Avante, Fluminense! ST