(Publicado no site Panorama Tricolor em 25.01.2015)
Quando Conca anunciou que pretende deixar o Fluminense para ganhar muito mais dinheiro na China, reverberou na torcida tricolor uma onda de decepção. Maculou-se, para muitos, a imagem de um ídolo que seria insuscetível aos apelos do capital em detrimento de seu suposto amor pelo clube, principalmente num momento de previsíveis e severas dificuldades financeiras. Recrudesceu na torcida, assim, antiga discussão sobre idolatria.
Quando Conca anunciou que pretende deixar o Fluminense para ganhar muito mais dinheiro na China, reverberou na torcida tricolor uma onda de decepção. Maculou-se, para muitos, a imagem de um ídolo que seria insuscetível aos apelos do capital em detrimento de seu suposto amor pelo clube, principalmente num momento de previsíveis e severas dificuldades financeiras. Recrudesceu na torcida, assim, antiga discussão sobre idolatria.
“Fulano
de tal é ídolo”; “Não, Sicrano é quem
é ídolo”; “Fulano é mais ídolo do que
Sicrano” e por aí vai.
Li e ouvi amiúde sobre o assunto durante a
semana. Discussões acirradas, calorosas e até ofensas pessoais foram
perpetradas em defesa de quem se considera, segundo os contendores,
verdadeiramente um ídolo.
Conca, Fred, Gum, Super-Ézio, Jandir, Branco, Romerito,
Assis, Washington (os dois), Marcão e Renato Gaúcho - só para citar, a título
de exemplo, alguns dos mais recentes nomes da história tricolor – foram
considerados ídolos por algum torcedor, em algum momento, em algum debate.
Conca e Fred, principalmente, na condição de ídolos de grande parte de
torcedores da mais nova geração, encabeçaram as disputas.
Como poderia eu questionar a escolha de cada
um? Meu ídolo não é melhor do que o seu, ele é simplesmente o meu e isso basta
para mim, assim como o seu ídolo não é melhor do que o meu, porque se eu tenho
os meus critérios para elevá-lo ao meu olimpo e você também tem os seus.
É uma questão de gosto pessoal e gosto, como se
diz popularmente, não se discute. Um ídolo não é forjado apenas por critérios
objetivos que todos devem necessariamente preencher, é escolhido por seu fã de
acordo com a sua consciência e valores que enxerga no eleito, quaisquer que
sejam. Trata-se de uma relação personalíssima, porque de absoluta afinidade, e
unilateral – depende unicamente da escolha do fã – cuja subjetividade impede
que seja impugnada (a relação) por quem quer que seja.
Afinal de contas, Adolf Hitler, o ditador
austríaco genocida-racista-antissemita e Mahatma Gandhi, o líder hindu defensor
do satyagraha[1],
tão distantes em ideais e propósitos, são ídolos de nazistas e pacifistas,
respectivamente. O homem que disse que "eu aprendi a descobrir o lado
bom da natureza humana e entrar nos corações dos homens. Eu percebi que a verdadeira
função de um advogado era unir partes separadas” tem fãs, assim como aquele que disse: “Temos de ser cruéis. Temos de
recuperar a consciência tranquila para sermos cruéis.”, por incrível que
possa parecer, também os têm.
Exemplos extremos
que demonstram o subjetivismo da idolatria.
De volta ao
Fluminense, um clube centenário, cuja história é gloriosa, não se poderia
deixar de reconhecer a existência de seus ídolos. E não são poucos. Vivenciaram
momentos importantes da epopéia tricolor e arrebanharam multidões de fãs, cada
um a seu tempo. Não os distingo como maiores ou menores, ídolos ou não. Se existe
quem os idolatra, esta condição deve ser respeitada. Cada qual que cultue como
melhor lhe aprouver a sua idolatria, de acordo com seus próprios critérios, com
seus valores e afinidades pessoais.
Não pode haver
valoração entre entes forjados no imaginário de cada um e, por isso,
especialmente únicos; não são melhores nem piores, são simplesmente ídolos.
Pode-se discutir, contudo, sob a égide de critérios objetivos – as estatísticas
existem para esse fim -, quem foi melhor ou pior; nesse ponto, porém, não se
questiona a idolatria, invulnerável às críticas destrutivas e às máculas que
lhe queiram atribuir, mas tão somente o jogador despido do manto santificado
que lhe deu seu fã.
O ídolo é, portanto,
intocável, quase um “santo” para o seu admirador.
Qualquer argumento
para tentar convencer seu companheiro tricolor de que o seu é melhor do que o
dele – seja porque assina contratos em branco, seja porque amputa um dedo para
servir ao seu clube, ama verdadeiramente a instituição, ou mesmo porque não é
um “mercenário” – será em vão.
Os nossos ídolos
sempre serão deuses, e, os dos outros, ídolos rotos.
Sugiro, portanto, ao
torcedor que discute quem é mais ou menos ídolatrado, mais ou menos
“mercenário”, que se associe ao clube e canalize as suas energias tentando
convencer, com idêntico esmero, o seu colega a associar-se também. É mais
simples, pois custa apenas R$35,00 reais mensais, e poderá dar ao Fluminense,
quem sabe, a sonhada autossuficiência, oportunidade em que os ídolos seremos
todos nós, contribuintes perenes de uma nova e gloriosa história tricolor.
* Inspirado no título
homônimo da novela de Manuel Díaz Rodriguez.
[1] é
uma filosofia desenvolvida por Mohandas Karamchand Gandhi (também conhecido como
"Mahatma" Gandhi: Grande alma Gandhi) para o movimento de Resistência não-violenta na Índia. (Wikipédia).
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