Um amigo tricolor, há poucos dias,
me fez a seguinte pergunta: como ficaria a situação dos jogadores do Fluminense
em relação ao clube se a Unimed continuar atrasando os seus direitos de imagem?
Esta é, por certo, a maior
preocupação do torcedor tricolor, que espera que os problemas contratuais da
Unimed com os jogadores do Fluminense, como Conca – já de saída -, Fred,
Wagner, dentre outros, não repercuta na relação contratual destes com o clube.
É também a preocupação de toda a sorte de torcedores adversários e de parte da
imprensa, que anseiam por um desmanche profundo no elenco tricolor.
Respondi, de chofre, que a
possibilidade de os jogadores acionarem judicialmente o Fluminense para
alcançarem as suas liberações em decorrência dos atrasos de salários – três
meses de salários atrasados automaticamente determinam o fim do vínculo
jogador-clube devedor – era remota. Isso, porque a relação contratual dos
jogadores com a Unimed é de natureza civil, distinta da relação trabalhista que
têm com o clube e que os reiterados atrasos poderiam ser cobrados na esfera
cível da empresa de planos de saúde sem que isso interferisse na relação
trabalhista dos jogadores com o clube. Portanto, o Fluminense estaria
resguardado de eventual debandada de parte de seu elenco em virtude do não
pagamento dos direitos de imagem por parte da antiga patrocinadora.
Claro que, para nós, tricolores, a
melhor solução para o caso seria esta e ela não deixa de ser, em tese, uma
saída viável e legal. Ocorre, porém, que o Direito não é uma ciência exata e,
intrigado com a pergunta, resolvi investigar um pouco mais sobre o tema.
Assim, em breves linhas, tentarei
sintetizar a questão, sobretudo quanto ao que particularmente nos interessa –
relação Unimed-jogadores do Fluminense-direito de imagem. O assunto demanda um
estudo mais aprofundado, o que inviabilizaria a sua publicação virtual; mas, de
tudo o que li sobre a matéria, procurei trasladar para este texto apenas o
essencial, de modo a dar ao leitor uma impressão, ainda que resumida, das decisões
judiciais mais recentes acerca do tema.
Importante, por primeiro, iniciar
este breve estudo pelo conceito de direito de imagem. Segundo a doutrina, o
direito de imagem é um direito personalíssimo e negociado diretamente entre o
jogador (ou a empresa que o detém) com a entidade desportiva (clube de
futebol), por meio de valores e regras livremente estipulados entre as partes,
assegurado pelo art. 5º, XXVIII, “a”, da Constituição Federal. No âmbito
infraconstitucional, está previsto no artigo 87-A, da Lei Pelé (Lei 9615/98).[1]
O próprio dispositivo legal
assevera que o direito de imagem não se confunde com o contrato de trabalho
desportivo, ou seja, não tem a natureza de salário. Se parássemos por aí,
ótimo. A lei, em seu estrito sentido, determina que são contratos distintos. Um
tem a natureza cível, o outro, trabalhista e cada um deve ser pleiteado na sua
seara. A discussão, entretanto, deve prosseguir.
Clubes
de futebol, visando à sonegação de impostos e outros direitos previdenciários e
trabalhistas, passaram a utilizar o direito de imagem como forma de dissimular
a verdadeira remuneração devida ao atleta em razão de sua contratação. Assim,
estabelecem com o contratado um valor remuneratório subdivido em salário na
CTPS e direito de imagem. Este último, contrato cível, livre dos encargos acima
referidos, passa a ser a maior, por vezes quase a totalidade da remuneração do jogador,
enquanto sobre a mínima parcela referente ao salário anotado na carteira de
trabalho incidem, proporcionalmente, as despesas trabalhistas e
previdenciárias. Essa situação anômala e fraudulenta foi levada aos Tribunais
pelos jogadores de futebol, ante o indisfarçável propósito de o clube mascarar
o pagamento de salário com o nome direito de imagem. O falseamento passou,
então, a ser severamente combatido.
Os Juízes do Trabalho (1ª.
instância), os Tribunais Regionais do Trabalho (órgãos recursais de 2ª.
Instância) e até o Tribunal Superior do Trabalho[2]
(órgão máximo da Justiça Trabalhista) abandonaram o entendimento de que o contrato
de direito de imagem firmado entre os clubes de futebol e os atletas eram distintos e firmaram a
convicção de que o contrato de direito de cessão de direito de imagem pago aos
jogadores de futebol tem natureza de salário, devendo incidir sobre o montante
todas os encargos legais. O direito de imagem, assim, passou a integrar o
salário do atleta, uma vez que aquele possuía o mesmo objeto do contrato de
trabalho, ou seja, amalgamados, constituíam a integralidade da remuneração do
atleta.
A fim de que não se confundam os institutos, vale aqui abrir um pequeno
parêntese sobre a distinção entre direito de imagem e direito de arena. O direito de arena, ao contrário da
cessão do direito de imagem, está previsto no art. 42, § 1º, da Lei 9.615/98
(Lei Pelé)[3]
e decorre da participação do atleta nos valores obtidos pela entidade esportiva
com a venda da transmissão ou retransmissão dos jogos em que ele atua como
titular, ou reserva. A titularidade do direito de arena, assim, pertence à
entidade desportiva a que está vinculado o atleta e a cessão de uso da imagem a
este último, como seu direito personalíssimo.
Esta
é a posição majoritária dos Tribunais quanto à relação clube-jogador no que
concerne ao contrato de direito de imagem.
A
matéria não é tão tranquila, entretanto, quando esse contrato é praticado entre
uma empresa que, via de regra investe no clube, e o atleta a ele vinculado.
Justamente por ser uma relação pouco usual, são raros os precedentes dos
Tribunais sobre o tema.
A
questão que interessa diretamente é o vínculo contratual entre a
ex-patrocinadora do Fluminense e alguns dos jogadores do elenco, remunerados pela
empresa a título de direito de imagem. Para se evitar o reconhecimento, como
visto anteriormente na relação clube-jogador, dos valores recebidos a título de
direito de imagem como se salários fossem, novo estratagema foi criado. Os
atletas beneficiados passaram a criar uma pessoa jurídica para que esta pudesse
receber diretamente a verda da cessão de uso da imagem sem que o clube ou mesmo
o atleta apareçam diretamente no negócio jurídico.
Em
princípio, cuidou-se de manobra com aparência legal. A matéria, porém, foi
objeto de questionamento judicial através do recurso ordinário número 0000352-34.2011.5.01.0061 – RO, perante a 6ª.
Turma[4] do TRT da 1ª. Região. E as
partes: Fluminense F. C. como reclamado e Edcarlos Conceição Santos, o
reclamante, que pretendia o reconhecimento dos valores que recebia a título de
direito de imagem da Unimed como salário. O acórdão da referida turma julgadora
reconheceu a possibilidade genérica do pagamento pelo uso da imagem do atleta,
mas, no caso concreto, entendeu que o contrato de direito de imagem entre o
jogador Edcarlos e a Unimed era fraudulento, uma vez que visava mascarar
a real remuneração do contratado com o intuito de sonegar impostos.
Para
se distinguir entre um contrato perfeito, sob a égide do Direito Civil e o
contrato fraudulento, criado apenas para dissimular a verdadeira remuneração do
atleta, utilizou-se o critério das respostas positivas a três perguntas:
1ª – O atleta realizou campanhas publicitárias
veiculando o produto ou a marca?
2ª – O contrato de direito de uso de imagem é
autônomo em relação ao contrato de trabalho?
3ª - Os valores recebidos como atleta profissional guardam
proporcionalidade com aqueles pagos a título de licença por uso da imagem?
O
entendimento do relator, desembargador José Antônio Piton, foi este:
Ao responder às perguntas supra,
se extrai do conjunto probatório dos autos que: não há notícia de uma só campanha publicitária ou produto associado à
imagem do autor que justifique o pagamento de R$60.000,00 (sessenta mil reais)
mensais durante esses dois anos; o contrato “de uso de imagem” é acessório
e dependente do contrato de trabalho, na medida em que há cláusula de rompimento
automático desse pacto na hipótese de resilição da relação de emprego; os
valores pagos pelo clube – R$25.000,00 (vinte e cinco mil reais) – e pela
patrocinadora – R$60.000,00 (sessenta mil reais) – são discrepantes,
circunstâncias que aliadas sinalizam a promiscuidade existente entre a entidade
esportiva e a patrocinadora. É cristalina a fraude quando a patrocinadora e o
clube desportivo entram em conluio para violar direitos trabalhistas e sonegar
impostos, ocultando a real remuneração do atleta sob as vestes de “direito de
uso de imagem”. Por consequência, esses valores passam a integrar a remuneração
do trabalhador para todos os efeitos legais. A ilicitude do contrato de
natureza civil pode ser comprovada ante a interdependência com o contrato de trabalho,
bem como pela ausência de provas quanto ao uso da imagem do jogador em
campanhas publicitárias, sendo irrelevante o fato de o pagamento advir de
terceiro ou ser depositado em contra de pessoa jurídica que o empregador
compeliu o jogador a constituir para fraudar a lei, prejudicando o próprio
trabalhador e terceiros, tais como a Receita Federal e o INSS.
Como
se percebe, as três respostas foram respondidas negativamente. Não se teve
notícia de qualquer campanha publicitária da empresa Unimed em que o jogador
fosse protagonista, ou mesmo tivesse participado de qualquer forma, mesmo com a
criação de algum produto associado à sua imagem; os contratos de direito de
imagem e de trabalho não são autônomos, pois a resilição deste último enseja o
encerramento automático do primeiro e os valores percebidos a título de
contrato de trabalho não são proporcionais àqueles recebidos a título de
cessão do uso da imagem, estes são sensivelmente maiores, bem maiores.
Este
acórdão foi prolatado em 15 de maio de 2013 e constitui precedente importante e
perigoso (para o clube), porque pode nortear novas decisões no mesmo sentido. Se
jogadores do Fluminense buscarem a via judicial, provavelmente essas mesmas
perguntas serão realizadas e as respostas, ao que tudo indica, como no caso
Edcarlos, serão negativas. Tal fato, se ocorrer, significará o reconhecimento
das verbas de direito de imagem como salários e estes, em atraso, darão ao
jogador prejudicado o direito de deixar de competir quando a inadimplência
durar dois meses ou mais (artigo 32, da Lei 9615/98 – Lei Pelé) ou mesmo de,
automaticamente, ter o contrato rescindido com o clube e a liberdade para
contratar com outro, quando os atrasos somarem três meses contínuos (artigo 31,
da Lei Pelé).
Conforme
dito anteriormente, o Direito não é uma ciência exata. É dinâmico, muda de
acordo com as novas situações fáticas que surgem e se pauta na lei, mas também
na jurisprudência. Trata-se de precedente único, que não vincula os novos
julgadores a decidirem no mesmo sentido, mas indica um caminho a seguir. E se
esse caminho for seguido, as chances de jogadores, em virtude de atrasos de
contratos de direitos de imagem perpetrados pela Unimed, conseguirem a rescisão
de contrato de trabalho com o Fluminense, sem que este tenha direito a qualquer
contrapartida, são altas.
[1] Art.
87-A. O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou
explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de
direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de
trabalho desportivo. (Incluído pela Lei nº 12.395, de 2011).
[2] "RECURSO DE
REVISTA. ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. DIREITO DE IMAGEM. INTEGRAÇÃO.
DIFERENÇAS SALARIAIS. O direito à imagem, consagrado pelo artigo 5º, inciso
XXVIII da Constituição Federal, é a garantia, ao seu titular, de não tê-la
exposta em público, ou comercializada, sem seu consenso e ainda, de não ter sua
personalidade alterada material ou intelectualmente, causando dano à sua
reputação. A doutrina, entendimento o qual comungo, tem atribuído a natureza
jurídica de remuneração ao direito de imagem, de forma semelhante às gorjetas
nas demais relações empregatícias, que também são pagas por terceiro. (...) A jurisprudência desta Corte, de igual
sorte, vem se formando no sentido de que o -direito de imagem- reveste-se,
nitidamente, de natureza salarial, reconhecendo, ainda, a fraude perpetrada
pelos clubes. Neste sentido, precedentes desta Colenda Corte Superior.
Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 2007120055040203 200-71.2005.5.04.0203,
Relator: Renato de Lacerda Paiva, Data de Julgamento: 18/09/2013, 2ª Turma,
Data de Publicação: DEJT 27/09/2013)."
[3] “Art. 42. Pertence às entidades de prática
desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de
negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão,
a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de
espetáculo desportivo de que participem.” (Redação dada pela Lei nº 12.395, de
2011).“ § 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por
cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos
audiovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais, e estes
distribuirão, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do
espetáculo, como parcela de natureza civil.” (Redação dada pela Lei nº 12.395,
de 2011).
[4] CONTRATO DE DIREITO
DE USO DE IMAGEM. INTUITO DE FRAUDAR REAL REMUNERAÇÃO. ATLETA PROFISSIONAL DE
FUTEBOL. EFEITOS. Em se tratando de
direitos de natureza diversa, o salário e o direito de uso de imagem do atleta
profissional possuem finalidades distintas: oprimeiro remunera a força de
trabalho do jogadorem prol do clube desportivo, ao passo que o segundo se
traduz em direito personalíssimo negociado livremente pelo atleta com
terceiros, tendo por objetivo vincular à sua imagem ao produto ou marca que
pretende promover. No entanto, quando o patrocinador e o clube desportivo
entram em conluio para fraudar direitos trabalhistas e sonegar impostos, os valores
pagos sob a nomenclatura de “direito de uso de imagem” passam a integrar a
remuneração do trabalhador para todos os efeitos legais. A ilicitude do
contrato de natureza civil pode ser comprovada ante a interdependência com o
contrato de trabalho, bem como pela ausência de provas quanto ao uso da imagem
do jogador em campanhas publicitárias, sendo irrelevante o fato de o pagamento
advir de terceiro ou ser depositado em conta de pessoa jurídica que o
empregador compeliu o jogador a constituir para fraudar a lei, prejudicando o
próprio trabalhador e terceiros, tais como a Receita Federal e o INSS.
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