domingo, 26 de março de 2017

Um bruto que ama

Abel é um homem que transborda emoções. Não à toa, quando veio para o Flu, prometeu dar nova alma ao Tricolor, pois só atinge a alma de alguém a emoção mais pura. Toda essa sinceridade, toda essa paixão, que se mostra no seu olhar esbugalhado, nas bochechas vermelhas, no falar embargado, deram uma nova vida ao Fluminense.

Após a vitória sobre o Botafogo, em tom de galhofa, perguntei a mim mesmo como seria levar um “esporro” do Abelão, uma bronca que tem o poder de mudar o resultado de uma partida, impregnando os jogadores de brio.

Ao assistir à sua entrevista coletiva logo depois do jogo, deu para se ter uma pequena amostra desse “fator motivacional” ao estilo Abel Braga. Nosso simpático treinador mandou todo mundo para “aquele lugar”, mandou todo mundo tomar “no lugar que ninguém gosta”, e perdeu a voz de tanto “motivar” seu grupo. Deu certo.

É assim mesmo que se deve agir quando uma equipe parece estar dormindo dentro de campo. O vestiário é para isso. Mas como manter essa sinceridade explícita de Abelão intra-vestiário? Seria realmente necessário evitar a publicidade dessa conversa acalorada?

Abel é o que é. Tolher sua forma de pensar e agir seria descaracterizá-lo, e nem acredito que alguém tivesse esse poder, nem mesmo seu patrão, o presidente do Fluminense. Abelão é espontâneo, e, embora possa parecer a muitos uma inconveniência, o treinador não diz nada muito diferente diante das câmeras do que diz aos seu comandados.

É essa proximidade, através de uma linguagem popular, do seu jeitão abrupto e do seu estilo “paizão”, que torna Abelão um treinador compreendido e por seus jogadores. E não duvido de que também o amem, porque da mesma forma que dá suas palmadas, também afaga.

Não gosto do perfil “engomadinho” à beira do campo. Um treinador deveria usar o mesmo uniforme do time, como um décimo segundo jogador que atuasse na sua área reservada. Esse é o seu papel: orientar, brigar, incentivar, aplaudir. E Abel Braga faz isso do seu jeito peculiar, e é ouvido até por quem não entende a nossa língua com perfeição.

Portanto, deixemos Abel ser o que é. Ao contrário de alguns que usam as entrevistas para transferir responsabilidades, ele, apesar de toda a sua “brutalidade”  com as palavras, só faz proteger seus jogadores.


Abelão foi a mais importante contratação do Fluminense para a temporada, portanto, deixemo-lo trabalhar do jeito que sabe, pois foi assim que conquistou os maiores títulos de sua carreira, um ex-zagueiro que é, como treinador, o que foi como jogador: um bruto que ama.

domingo, 19 de março de 2017

Transparência

Apesar de todo o esforço da atual gestão Tricolor, o Fluminense terá um déficit de 75 milhões em seu orçamento para 2017, fruto do legado da gestão anterior, pródiga na realização de maus contratos, cujas longevidades permitiram que adentrassem nesta nova Administração e contribuíssem para sobrecarregar a já assoberbada folha salarial tricolor, embora a maior parte dos beneficiários nem mesmo estejam sendo aproveitados pelo técnico Abel Braga.

Além disso, a ausência de um patrocinador master contribui sobremaneira para que a constatação elaborada pela empresa de consultoria Ernst & Young, com a qual o clube já trabalha em parceria, seja um sinal de alerta para que o Fluminense aperte os cintos e procure formas alternativas de receitas.

Parece certo que um jogador valorizado será vendido. O presidente Abad nunca escondeu que uma negociação desse tipo poderia ocorrer e, provavelmente será. O Flu já fechou com a Under Armour, cujos valores ainda não foram divulgados por força contratual e, mais recentemente, com a TIM (VOXX), mas ainda é pouco.

Falta o tal do patrocínio master. O Tricolor não fechou com a Caixa por discordância quanto aos valores oferecidos pela empresa pública. Entendeu que eram baixos, e eram. De toda a sorte, Abad e sua equipe devem trabalhar com afinco para encontrar um patrocínio à altura do Flu, o que não é nada fácil em tempos de crise.

Como outra opção de receita, vale lembrar que o Flu tem um número de sócios-torcedores bem aquém do seu potencial. É importante, assim, que aproveite o bom momento em campo para alavancar novos sócios, embora seja sempre bom lembrar que esse tipo de receita oscila – infelizmente – de acordo com a fase do time.

Já que falamos de sócio-torcedor, fica a minha sugestão: que tal uma ou mais cotas-extras, sem caráter obrigatório, é claro, postas à disposição do sócio num site, para que contribua de acordo com sua capacidade financeira. Toda forma de contribuição será bem-vinda.

Diante desses números, dá para se imaginar que não teremos muito além do que já temos em termos de elenco. É com esse time que o Flu perseguirá seus principais objetivos na temporada e, portanto, é bom que a torcida se prepare para aceitar eventual decepção.

Temos um time que está se desdobrando dentro de campo, do jeito que pode, e sob o comando de um cara que ama o Fluminense e está disposto a fazer de tudo para ajudá-lo, e isso deve ser valorizado. Pior seria se, afundado em dívidas, estivéssemos, também, chafurdando dentro de campo. Estamos indo, por enquanto, e que seja assim até que as coisas entrem novamente nos eixos e o Flu possa novamente respirar com suas finanças em dia.

De toda a sorte, deve ser elogiada a postura do presidente Abad em divulgar uma notícia que pode ser considerada negativa, porque é a publicidade que aproxima o clube de seu torcedor, e impede que informações distorcidas conturbem o seu ambiente.


Sorte, Fluminense, porque parece que competência já há. Tornemos ao caminho que nos conduziu às maiores glórias, com humildade, competência e transparência, sempre.

domingo, 5 de março de 2017

Fla-Flu da paz

Yitzhak Rabin foi um general e político israelense, um dos ganhadores do prêmio Nobel da Paz de 1994 por ter se engajado na aprovação do Acordo de Paz de Oslo, que deu origem à Autoridade Nacional Palestina e por seus esforços de paz com os países do Oriente Médio. Foi assassinado durante um comício em 1995 por um estudante de extrema direita que se opunha ao acordo de paz com os palestinos e outros países árabes.

Pedro Abad é presidente do Fluminense e tem se engajado na luta pela paz no futebol em um dos estados da federação mais violentos do país. Para isso, propôs recurso juntamente com o C.R. Flamengo para que uma liminar desarrazoada que limitava o público nos clássicos regionais a uma só torcida fosse derrubada. O recurso jurídico alcançou seu objetivo e a decisão da Taça Guanabara será realizada com as duas torcidas. Hoje pela manhã, os dois presidentes, reunidos nas Laranjeiras, deram uma coletiva para anunciar o sucesso no recurso e a logística da partida.

Palestinos e judeus, tricolores e rubro-negros, o que têm a ver? Absolutamente nada. Política, religião e esporte não se misturam, ou não deveriam se misturar. Assemelham-se, contudo, as situações quando tratamos dos radicais, cujas ações odiosas, guardadas as devidas proporções, são perpetradas no sentido de que a paz não se estabeleça, seja no campo de batalha, seja no campo esportivo.

Flamengo e Fluminense sempre foram rivais dentro de campo. Não há dúvida, também, de que o clube da Gávea, apoiado pela imprensa fiel, já agiu ostensivamente para prejudicar-nos em mais de uma oportunidade. E o que tem o Fluminense com isso? O presidente Abad, quando interpôs o recurso contra a decisão da torcida única não fez isso pelo rival, embora tal decisão o favorecesse. Fez por seus princípios, pela tradição fidalga do Fluminense, pela coerência com o princípio de que o futebol se faz com times, mas também com torcidas, fez pelo espírito do esporte, fez por Oscar Cox.

O Fluminense, agindo da forma que agiu, inclusive convidando o presidente rubro-negro a respirar o sacrossanto ar das Laranjeiras, deu um exemplo formidável de como clubes arquirrivais dentro de campo podem conviver em harmonia fora dele. Pela grandiosidade das partes envolvidas, pelo tamanho das rivalidades, essa manifestação conjunta pode ser considerada, talvez, a maior já realizada no futebol brasileiro e o marco inicial para que a paz gradativamente retorne ao futebol.

Utopia que seja, prefiro um gesto dessa grandeza ao que um dirigente do próprio rubro-negro protagonizou nas redes sociais logo após a festa do Oscar. Ninguém precisa desse tipo de boçalidade que, menos do que ser engraçada, aguça os ódios dos já predispostos à violência.

Se do lado de lá há sinal de boa vontade, ótimo. Se não houver na semana que vem, ótimo, também. O que verdadeiramente importa é o Fluminense agir de acordo com seus princípios de ética e moral, buscando, ainda que juridicamente, a reparação de qualquer injustiça perpetrada contra a instituição, contra o seu torcedor, contra todo o torcedor.

O Fluminense, vale repetir, não lutou pelos interesses do Flamengo, buscou a realização de sua própria história de lutas pela ética desportiva. Calar-se diante disso por interesses mesquinhos mancharia indelevelmente a nossa reputação futebolística.

Tínhamos o direito ao nosso lado, mas abrimos mão dele para lutarmos por Justiça. Lição dada a todo o Brasil e, inclusive, ao Flamengo. Tenho a certeza de que robustecemos a nossa dignidade e que, lá na Gávea, eles devem ter aprendido que “roubado não é mais gostoso”. Se isso aconteceu, somos vitoriosos duas vezes.


E que a Taça Guanabara seja de quem a merecer, de fato e de direito.