domingo, 23 de novembro de 2014

"O bom, o mau e o feio" (flamenguesa)

“O Bom, o Mau e o Feio”*

Este texto procura dar um enfoque diferente ao escândalo da venda da vaga na série A do campeonato brasileiro de 2014 pela Portuguesa de Desportos. Os argumentos jurídicos que ensejaram as perdas de pontos de Flamengo e do clube paulistano já foram exaustivamente debatidos; a investigação, ainda que morosa, existe e já identificou quem recebeu o dinheiro. Falta definir quem pagou. O viés que pretendo dar é o da relação de cada torcida envolvida com o caso posto. E o que me inspirou foi o recente texto do blogueiro Rica Perrone, onde, sob argumento pueril, tenta traçar esta mesma relação, mas de forma superficial, ao escrever: “Nenhum torcedor do Fluminense tem certeza que seu clube não está envolvido. Nem do Flamengo. Eles têm fé, é diferente.”.

Não desgosto do blogueiro; no entanto, parece-me que seus textos são produzidos para não desagradar o seu público. Rica é aquele árbitro caseiro que, na dúvida, nunca marcará um pênalti para o adversário. Poderia ter se posicionado de forma definitiva sobre o assunto. Não o fez.

Imagino que essa relação do torcedor com o escândalo que se apresenta, em que pese não tenha o condão de afastar a responsabilidade de qualquer clube, por óbvio - porque dos gestores podemos esperar de tudo - ajuda a identificar, no âmago de cada torcida, sentimentos de revolta, inconformismo, resignação ou indiferença, sentimentos estes que são expressões de como uma das maiores fraudes do futebol brasileiro reverbera, em regra, em cada tricolor, rubro-negro ou rubro-verde.

Começarei pela torcida tricolor. E inicio refutando a afirmação do blogueiro de que nenhum torcedor do Fluminense tem certeza de que o clube não está envolvido na fraude. Não generalizarei como ele. Digo, no entanto, com convicção, que a maioria, talvez a esmagadora maioria da torcida tricolor, tenha certeza do contrário: de que o seu clube não está envolvido nesta fraude. Aliás, desde dezembro de 2013, torcedores tricolores, sem qualquer amparo oficial, manifestam-se heroicamente pelas redes sociais em defesa do Fluminense, inclusive já antecipando o que somente agora se tornou oficial, ou seja, que a Lusa recebeu dinheiro para facilitar a vida de alguém, do único time que angariaria vantagem com o seu rebaixamento. Vi textos sobre a legitimidade e correção da decisão do STJD, outros que refutavam argumentos fajutos manipulados pela mídia para agradar a opinião pública. Li cartas aos órgãos jornalísticos exigindo respeito ao Fluminense e presenciei manifestações de rua contra as injustiças praticadas pela mídia em geral.

No meu humilde modo de sentir, isso significa inconformismo; repúdio a uma situação fática que se deseja ver esclarecida. Mal comparando, nenhum inocente que responda a um processo criminal deseja que o mesmo se procrastine indefinidamente. O seu anseio é que tramite o mais rapidamente possível para que se veja absolvido e se livre do estigma de ser réu (acusado oficial no processo). Foi isso o que a torcida tricolor buscou incessantemente, uma “sentença de absolvição”. Não de um processo penal, onde há garantia de ampla defesa, mas de algo pior, de um prejulgamento forjado por parte de uma imprensa leviana que manipulou a seu bel prazer a opinião pública contra o Fluminense. A torcida tricolor, em razão de todas as agressões sofridas, assumiu a defesa extraoficial do Clube e cobrou das autoridades investigação séria que apurasse as efetivas responsabilidades. Por isso o Vice de Futebol do Clube, Dr. Mario Bittencourt, atendendo à conclamação do seu torcedor, ante as suspeitas ventiladas pela imprensa de que o Fluminense seria um dos responsáveis por pagamento de propina à Portuguesa, protocolou, recentemente, requerimento formal de investigação do caso junto ao STJD. Do lado tricolor, assim, vejo ação, e o desejo de ser esclarecida a verdade, doa a quem doer.

Por outro lado, há o tocedor rubro-verde. Transformada em vítima pela mídia de forma quase que maciça, a Portuguesa, segundo time de muitos em São Paulo, rapidamente atingiu esse status. Foi o mártir perfeito para o vilão perfeito. Convenientemente arranjada a situação, a opinião pública aderiu à sua defesa com um vigor que há muito não se via, ante a injustiça fabricada pela mídia e que atribuíram à CBF, STJD e Fluminense. Os torcedores, então, foram para as ruas, insuflados pela imprensa ávida por mostrar as suas pobres faces chorosas; até Roberto Leal e o maestro João Carlos Martins, seus maiores representantes, estavam lá indignados. Só faltaram dançar o Vira! Todos devidamente manipulados; todos contra o Flu, CBF e STJD, mais contra o primeiro do que contra os dois últimos. Agora, quase um ano após, quando se revela, de forma oficial, que funcionários da Portuguesa receberam dinheiro para escalar irregularmente o jogador Heverton com a finalidade de rebaixar a equipe, e quando o atual presidente, Ilídio Lico, afirma que o ex-presidente, Manuel da Lupa, estaria diretamente envolvido na falcatrua, inexplicavelmente silenciam.

Não se esperava dos rubro-verdes que formalizassem um pedido de desculpas pelo papelão que fizeram em janeiro deste ano ou pelas injustas acusações ao Fluminense. Esperava-se, minimamente, que fizessem jus ao nome de sua principal torcida, os Leões da Fabulosa, e cobrassem de seus próprios dirigentes, com a veemência que cobraram injustamente do Fluminense, acerca das bombásticas e recentes revelações que maculam de forma indelével a história da Portuguesa. Ao contrário, porém, aquietaram-se como que numa cumplicidade abjeta com gestores que, num processo de explícita autofagia, dilapidaram o patrimônio do clube, entregando-o de mão beijada à terceira divisão do futebol nacional, sem dinheiro e sem perspectivas de retorno. Este é o comportamento, com raríssimas exceções, do torcedor da Portuguesa; de resignação para alguns e indiferença para outros, quase todos manipulados por uma imprensa que em momento algum pretendeu defendê-los. Foram usados para a defesa de um interesse muito maior, o do capital e do time que o representa. Merecem, assim, estar onde estão.

Por último, o torcedor rubro-negro, de quem recebemos as mais graves ofensas em virtude da permanência tricolor na série A. Esses agiram com ódio. Mesmo tendo permanecido o Flamengo na primeira divisão, doeram-se tanto que emergiu bem clara a culpa que pretenderam esconder. Atacaram para se defender. Amparados maciçamente pela mídia a proteger seus interesses, saíram ilesos do escândalo. Estão acima do bem e do mal. Acreditam numa verdade própria e desprezam a real, tanto é que incorporaram, por exemplo, um título nacional ao seu currículo, quando a Justiça, após decisão transitada em julgado – da qual não cabe mais recurso – disso o contrário. Fundamentam suas convicções em argumentos rarefeitos produzidos por seus cupinchas espalhados pela mídia como música de uma nota só. Até seu presidente, Eduardo Bandeira de Melo, indagado sobre as suspeitas de envolvimento no pagamento de propina à Lusa, repete sem convicção: “Impossibilidade matemática” ou “Heverton estava concentrado na sexta-feira”. E fica por isso mesmo. A imprensa aceita passivamente essas mentiras, que de tão repetidas se tornam mantras, e fica tudo por isso mesmo. Não se viu, entretanto, o mandatário rubro-negro pedir investigação isenta; nem a sua torcida, em momento algum, manifestou-se pelo esclarecimento dos fatos.

Neste ponto, Rica Perrone tem razão: os torcedores do Flamengo apegam-se à fé, pois somente ela poderá livrar seu clube, quem sabe “milagrosamente”, do envolvimento na maior fraude do futebol brasileiro de todos os tempos. Estão aí, no que diz respeito ao torcedor, “O Bom, o Mau e o Feio” do escândalo Lusagate; cabe agora ao leitor identificar, por si mesmo, quem é quem.

*   Uma paródia ao título no Brasil do western spagetti de Sergio Leone (1966).
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