“O Bom, o Mau e o Feio”*
Este
texto procura dar um enfoque diferente ao escândalo da venda da vaga na série A
do campeonato brasileiro de 2014 pela Portuguesa de Desportos. Os argumentos
jurídicos que ensejaram as perdas de pontos de Flamengo e do clube paulistano
já foram exaustivamente debatidos; a investigação, ainda que morosa, existe e
já identificou quem recebeu o dinheiro. Falta definir quem pagou. O viés que
pretendo dar é o da relação de cada torcida envolvida com o caso posto. E o que
me inspirou foi o recente texto do blogueiro Rica Perrone, onde, sob argumento
pueril, tenta traçar esta mesma relação, mas de forma superficial, ao escrever:
“Nenhum torcedor do Fluminense tem
certeza que seu clube não está envolvido. Nem do Flamengo. Eles têm fé, é
diferente.”.
Não
desgosto do blogueiro; no entanto, parece-me que seus textos são produzidos
para não desagradar o seu público. Rica é aquele árbitro caseiro que, na
dúvida, nunca marcará um pênalti para o adversário. Poderia ter se posicionado
de forma definitiva sobre o assunto. Não o fez.
Imagino
que essa relação do torcedor com o escândalo que se apresenta, em que pese não
tenha o condão de afastar a responsabilidade de qualquer clube, por óbvio -
porque dos gestores podemos esperar de tudo - ajuda a identificar, no âmago de
cada torcida, sentimentos de revolta, inconformismo, resignação ou indiferença,
sentimentos estes que são expressões de como uma das maiores fraudes do futebol
brasileiro reverbera, em regra, em cada tricolor, rubro-negro ou rubro-verde.
Começarei
pela torcida tricolor. E inicio refutando a afirmação do blogueiro de que
nenhum torcedor do Fluminense tem certeza de que o clube não está envolvido na
fraude. Não generalizarei como ele. Digo, no entanto, com convicção, que a
maioria, talvez a esmagadora maioria da torcida tricolor, tenha certeza do
contrário: de que o seu clube não está envolvido nesta fraude. Aliás, desde
dezembro de 2013, torcedores tricolores, sem qualquer amparo oficial,
manifestam-se heroicamente pelas redes sociais em defesa do Fluminense,
inclusive já antecipando o que somente agora se tornou oficial, ou seja, que a
Lusa recebeu dinheiro para facilitar a vida de alguém, do único time que
angariaria vantagem com o seu rebaixamento. Vi textos sobre a legitimidade e correção
da decisão do STJD, outros que refutavam argumentos fajutos manipulados pela
mídia para agradar a opinião pública. Li cartas aos órgãos jornalísticos
exigindo respeito ao Fluminense e presenciei manifestações de rua contra as
injustiças praticadas pela mídia em geral.
No
meu humilde modo de sentir, isso significa inconformismo; repúdio a uma
situação fática que se deseja ver esclarecida. Mal comparando, nenhum inocente que
responda a um processo criminal deseja que o mesmo se procrastine indefinidamente.
O seu anseio é que tramite o mais rapidamente possível para que se veja
absolvido e se livre do estigma de ser réu (acusado oficial no processo). Foi
isso o que a torcida tricolor buscou incessantemente, uma “sentença de
absolvição”. Não de um processo penal, onde há garantia de ampla defesa, mas de
algo pior, de um prejulgamento forjado por parte de uma imprensa leviana que
manipulou a seu bel prazer a opinião pública contra o Fluminense. A torcida
tricolor, em razão de todas as agressões sofridas, assumiu a defesa
extraoficial do Clube e cobrou das autoridades investigação séria que apurasse
as efetivas responsabilidades. Por isso o Vice de Futebol do Clube, Dr. Mario
Bittencourt, atendendo à conclamação do seu torcedor, ante as suspeitas
ventiladas pela imprensa de que o Fluminense seria um dos responsáveis por
pagamento de propina à Portuguesa, protocolou, recentemente, requerimento
formal de investigação do caso junto ao STJD. Do lado tricolor, assim, vejo
ação, e o desejo de ser esclarecida a verdade, doa a quem doer.
Por
outro lado, há o tocedor rubro-verde. Transformada em vítima pela mídia de
forma quase que maciça, a Portuguesa, segundo time de muitos em São Paulo,
rapidamente atingiu esse status. Foi o
mártir perfeito para o vilão perfeito. Convenientemente arranjada a situação, a
opinião pública aderiu à sua defesa com um vigor que há muito não se via, ante
a injustiça fabricada pela mídia e que atribuíram à CBF, STJD e Fluminense. Os
torcedores, então, foram para as ruas, insuflados pela imprensa ávida por
mostrar as suas pobres faces chorosas; até Roberto Leal e o maestro João Carlos
Martins, seus maiores representantes, estavam lá indignados. Só faltaram dançar
o Vira! Todos devidamente manipulados; todos contra o Flu, CBF e STJD, mais
contra o primeiro do que contra os dois últimos. Agora, quase um ano após,
quando se revela, de forma oficial, que funcionários da Portuguesa receberam
dinheiro para escalar irregularmente o jogador Heverton com a finalidade de
rebaixar a equipe, e quando o atual presidente, Ilídio Lico, afirma que o
ex-presidente, Manuel da Lupa, estaria diretamente envolvido na falcatrua,
inexplicavelmente silenciam.
Não
se esperava dos rubro-verdes que formalizassem um pedido de desculpas pelo
papelão que fizeram em janeiro deste ano ou pelas injustas acusações ao
Fluminense. Esperava-se, minimamente, que fizessem jus ao nome de sua principal
torcida, os Leões da Fabulosa, e cobrassem de seus próprios dirigentes, com a
veemência que cobraram injustamente do Fluminense, acerca das bombásticas e
recentes revelações que maculam de forma indelével a história da Portuguesa. Ao
contrário, porém, aquietaram-se como que numa cumplicidade abjeta com gestores
que, num processo de explícita autofagia, dilapidaram o patrimônio do clube, entregando-o
de mão beijada à terceira divisão do futebol nacional, sem dinheiro e sem
perspectivas de retorno. Este é o comportamento, com raríssimas exceções, do
torcedor da Portuguesa; de resignação para alguns e indiferença para outros,
quase todos manipulados por uma imprensa que em momento algum pretendeu
defendê-los. Foram usados para a defesa de um interesse muito maior, o do
capital e do time que o representa. Merecem, assim, estar onde estão.
Por
último, o torcedor rubro-negro, de quem recebemos as mais graves ofensas em
virtude da permanência tricolor na série A. Esses agiram com ódio. Mesmo tendo
permanecido o Flamengo na primeira divisão, doeram-se tanto que emergiu bem
clara a culpa que pretenderam esconder. Atacaram para se defender. Amparados maciçamente
pela mídia a proteger seus interesses, saíram ilesos do escândalo. Estão acima
do bem e do mal. Acreditam numa verdade própria e desprezam a real, tanto é que
incorporaram, por exemplo, um título nacional ao seu currículo, quando a
Justiça, após decisão transitada em julgado – da qual não cabe mais recurso –
disso o contrário. Fundamentam suas convicções em argumentos rarefeitos
produzidos por seus cupinchas espalhados pela mídia como música de uma nota só.
Até seu presidente, Eduardo Bandeira de Melo, indagado sobre as suspeitas de
envolvimento no pagamento de propina à Lusa, repete sem convicção:
“Impossibilidade matemática” ou “Heverton estava concentrado na sexta-feira”. E
fica por isso mesmo. A imprensa aceita passivamente essas mentiras, que de tão
repetidas se tornam mantras, e fica tudo por isso mesmo. Não se viu,
entretanto, o mandatário rubro-negro pedir investigação isenta; nem a sua
torcida, em momento algum, manifestou-se pelo esclarecimento dos fatos.
Neste
ponto, Rica Perrone tem razão: os torcedores do Flamengo apegam-se à fé, pois
somente ela poderá livrar seu clube, quem sabe “milagrosamente”, do
envolvimento na maior fraude do futebol brasileiro de todos os tempos. Estão aí,
no que diz respeito ao torcedor, “O Bom, o Mau e o Feio” do escândalo Lusagate;
cabe agora ao leitor identificar, por si mesmo, quem é quem.
* Uma paródia ao título no Brasil do western spagetti
de Sergio Leone (1966).
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