quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Mafuá tricolor (publicado no site panorama tricolor em 29.11.2014)

O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso”. Eu segui o conselho do mestre Ariano Suassuna e fui um realista esperançoso. Quisera eu ter sido um pessimista. Estaria, agora, feliz com o Fluminense livre de um rebaixamento que muitos apregoaram. Desde os 48 pontos, meta traçada como a sufiente para garantir a fuga da degola com sobras, o que viesse seria lucro.

Também não fui um otimista. As desclassificações precoces na Copa do Brasil – esta uma das maiores humilhações sofridas pelo clube dentro de campo de jogo – e na Sul-Americana, tornaram-me cético em relação às pretensões do Fluminense no campeonato brasileiro.

Algumas vitórias seguidas, contudo, revivesceram em mim o sentimento de que se poderia chegar mais longe, em razão do que me transformei no tal realista esperançoso citado por Suassuna. Nem pessimista, nem otimista, mas um pouco de um e de outro.

Ledo engano. Nem o realismo com uma pitada de esperança me sobrou. Caí na esparrela tricolor e acreditei ingenuamente num elenco que esteve apto à disputa do título e que se agarrava por um fiapo a uma chance improvável de garantir, pelo menos, uma vaga para a Libertadores da América, prêmio de consolação para um time que, simplesmente, abriu mão de ser competitivo e de alcançar resultados à altura de sua grandeza.

Com a vitória do Internacional sobre o Palmeiras, as chances matemáticas de classificação se esvaíram. O grupo – ressalvadas as honrosas exceções - colheu o que plantou e, sinceramente, por tudo que fez ou que não fez, não merecia mesmo melhor sorte no campeonato.

Surpreendeu, assim, os pessimistas, decepcionou os otimistas e foi indiferente aos realistas. Pura melancolia...

Nada, contudo, é por acaso. Durante toda a competição, ou melhor, durante toda a temporada, o Fluminense deu sinais de que as coisas não funcionariam bem. Alguns tiveram a clarividência de perceber isso mais cedo. Pouparam-se de um sofrimento desnecessário.

Olhando para trás agora, do alto da 37ª. rodada do campeonato nacional, percebe-se, até com certa facilidade, que o Fluminense de 2014 tinha tudo para dar errado, porque nada se fez para corrigir os erros de 2013.

Os indícios foram inúmeros; a começar pela falta de planejamento para uma temporada em que, todos imaginamos, seria dificílima dentro e fora de campo. A manutenção praticamente integral de um time fracassado em 2013 foi, assim, o primeiro erro crasso. Ou se poderia esperar algo diferente de uma equipe que, mesmo na temporada passada, deu provas de que jogava quando lhe convinha?

Não houve reciclagem. Acreditou-se, erroneamente, que aquele time poderia ser totalmente diferente do que foi. E não foi. A diretoria, silente, permitiu que jogadores externassem suas preocupações financeiras com as renovações e prazos contratuais, pagamentos de premiações e outros interesses extracampo. Após cada derrota, cada desclassificação, boatos surgiram aos turbilhões dando conta de que jogadores retaliaram o clube propositalmente. Ninguém os negou.

Até o Presidente Peter aventurou-se no comando do futebol, se não lhe bastassem os encargos próprios de sua função. Não podia dar certo, e não deu. Bom administrador, trabalha incessantemente para sanear as finanças do clube; mostrou-se, porém, péssimo para liderar o departamento mais importante do Fluminense. Foi omisso sempre que se fez necessária a sua palavra, o seu esclarecimento, a sua presença.

Mario Bittencourt, então, escolhido pelo próprio Presidente, assumiu a renomada função. Desde 2013 sob as luzes dos holofotes, em virtude de suas brilhantes atuações jurídicas em defesa do Flu, pareceu, num primeiro momento, o nome certo para dar um rumo ao futebol tricolor. Pouco ou nada mudou, contudo. Mario entende muito de Direito Desportivo e muito pouco de futebol.

A sua recente manifestação, em entrevista ao site globoesporte.com, é emblemática e desconsidera a enormidade do Clube que representa: “Querendo ou não, chegamos faltando duas rodadas para o final como um dos seis times que ainda almejam a algo”. Ora, o Fluminense não disputa competições para almejar “algo”; o Fluminense disputa títulos. Se não os conquista, joga para conquistá-los. “Almejar algo” é para qualquer outro, menos para um Clube da grandeza do Tricolor.

Ainda houve outros sinais. Fred, por exemplo, cumulou as funções de presidente e vice de futebol do Fluminense. Nas horas vagas, também foi jogador de futebol. Um exagero, claro, mas que evidencia a falta de comando interno no Clube.

Apregoou uma greve; na ausência dos mandatários, foi ele quem, abertamente, reclamou da postura crítica da torcida na arquibancada, esquecendo-se, no entanto, de que é ela a alma e razão de existir do Fluminense. Não satisfeito, afirmou, como se reconhecesse antecipadamente o fracasso, que este time que aí está foi rebaixado em 2013. Olvidou dizer, entretanto, que foi um dos responsáveis pelo descenso.

Fred é, inegavelmente, um líder, mas a permissividade da gestão tricolor exacerbou seus “poderes”, autorizando-o, ainda que tacitamente, a externar suas opiniões sem controle, sem responsabilidade, à revelia dos verdadeiros mandatários. Arvorou-se em dono do Clube.

E se Fred pode, Wagner pode também. Aproveitando a licenciosidade reinante nas Laranjeiras, também resolveu expor suas lamentações. Mostrou que tinham razão os pessimistas. Este elenco nunca pretendeu coisa alguma, a não ser a satisfação de suas pretensões financeiras atendidas. Jogaram por dinheiro e não jogaram sem ele. Talvez agora seja possível compreender o vexame contra o modestíssimo América de Natal, as desclassificações nas competições disputadas (carioca, Copa do Brasil e Sul-Americana), a vergonhosa derrota para o Botafogo no primeiro turno, a acachapante goleada sofrida para o Chapecoense dentro do Maracanã, os vinte e tantos pontos perdidos para times de menor investimento e o “correr para não chegar” no campeonato brasileiro.

Ao que parece, estão todos satisfeitos pela bagatela do não rebaixamento. Todos, inclusive nossos mandatários – que o diga Mario Bittencourt.

Um leigo que ouvisse as lamúrias desses jogadores chegaria a acreditar que o Fluminense lhes impõe a penúria completa, que andam em andrajos e que moram em barracos no meio do esgoto a céu aberto. Pobres milionários!

O Fluminense hoje é um clube em crise de identidade, ou melhor, de governabilidade. Não se sabe quem, de fato, manda e quem obedece. Por vezes, quem deveria obedecer manda, e quem deveria mandar obedece.

A história tricolor não se coaduna com mandatários pusilânimes, nem amadorismo. Para conduzir o Clube novamente ao caminho das glórias é preciso, além de vivê-lo intensamente, pulso firme na administração de seus interesses.


Hoje o Fluminense é um verdadeiro mafuá. Que amanhã torne a ser novamente um clube de futebol, exemplo de correção, casa de tricolores comprometidos e apaixonados.


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