Eu tive a oportunidade de escrever, aqui mesmo
no Panorama Tricolor, um texto nominado “Cem mil maníacos pelo Fluminense”, em
que defendi a tese de que cem mil sócios torcedores dariam a sonhada
autossuficiência ao Tricolor. Para tanto, sugeri algumas ideias a fim de
fidelizar o torcedor ao projeto, evitando-se um dos maiores problemas da
sobredita associação que é a volubilidade do sócio, normalmente atrelada à
situação da equipe dentro de campo.
Assim, após meses de estagnação no que concerne
ao aporte de novos associados e à inação do departamento de marketing tricolor,
a esperança ao que parece se renova. Foram apresentados esta semana novos
planos de associação que serão geridos pelo Fluminense e operacionalizados pela
empresa Golden Goal Sports Ventures Gestão Esportiva Ltda – leia-se Chime Sports Marketing (CSM), grupo
de marketing inglês (dono das marcas Icon, Fast Track, Iluka e Essencialy) que
adquiriu 60% da Golden Goal Sports
Ventures para entrar no mercado nacional de marketing desportivo.
À primeira vista, a
CSM é uma empresa expert no assunto,
responsável, inclusive, pelo marketing nas ruas de Londres por ocasião das
Olimpíadas naquela cidade. E a Golden Goal
Sports, vamos chamá-la assim, também atua gerindo os negócios do A. C.
Milan no Brasil, operacionaliza o projeto cidadão rubro-negro e gere os
camarotes do Engenhão, dentre outros projetos menores, informações estas
obtidas no site da empresa.
O Fluminense, assim,
descentralizou a operacionalização do seu projeto de sócio-torcedor e os resultados
mais próximos estão aí: cinco novos planos de associação, o que, para um clube
que não possui um estádio moderno, onde sejam vinculados aos planos a
utilização de camarotes e lugares cativos, está de bom tamanho.
Se o projeto vai
deslanchar, isso é outra história.
Para o presidente
Peter, conforme anunciou no dia do lançamento dos novos planos, o sucesso da
empreitada dependerá do engajamento do torcedor. Neste ponto, eu ouso discordar
do nosso mandatário, uma vez que se dependesse apenas de engajamento, nenhuma
das contrapartidas anunciadas nos recentes modelos de sócios seriam
necessárias, bastaria o velho programa, que nunca ultrapassou o patamar dos
vinte e cinco mil sócios-torcedores.
O engajamento é
necessário, contudo é preciso mais.
As novas vantagens,
evidentemente, incentivarão o torcedor a aderir ao programa ou a migrar para
outro plano que lhe pareça mais interessante, mas o que efetivamente motiva o
torcedor verdadeiramente engajado é o seu amor pelo clube. Este fica. Aquele
que se associa apenas pelos benefícios de que poderá usufruir deriva à mercê da
maré e poderá, como sói acontecer, cancelar seu título ante eventuais
sequências de resultados ruins ou resultados acachapantes. Não deveria ser
assim, mas, infelizmente, a volatilidade da torcida é algo com que se deva
lidar.
Talvez antevendo
situações como essas, a empresa fez constar do novo contrato – leiam, por
favor, no novo portal do sócio torcedor em https://www.sociofutebol.com/conteudo/14
- uma cláusula que prevê multa ao associado que desistir do plano contratado –
a multa não incidirá se o sócio não renovar o contrato ao seu término, o que
deverá ser expressamente manifestado na forma do disposto no item 5.10.1.
À evidência, é um
direito da empresa resguardar-se, mas não acredito que essa seja a forma
adequada de tratamento a quem aderiu ao projeto espontaneamente, por amor ao
seu clube, em razão do que seria plausível que lhe dessem o direito de também
sair sem qualquer ônus, principalmente porque não estará indenizando a empresa
por serviços usufruídos, mas pagando verdadeira multa contratual. Talvez isso
seja um obstáculo que se contraponha aos novos benefícios, fazendo com que
vantagens e desvantagens se compensem, o que poderá inviabilizar a adesão da
quantidade de novos sócios pretendida.
Essa fidelização à fórceps é comum nos contratos de
telefonia celular, TVs a cabo etc, mas não me parece que caia bem numa relação
entre o torcedor e o seu clube, onde a liberdade de ir e vir, apesar de gerar
insegurança para o destinatário das verbas, deveria ser respeitada. No mínimo,
informada com ampla divulgação.
Aí está a cláusula do
contrato que impõe a multa:
13.1.1. Caso o
torcedor não tenha interesse em manter o plano contratado com o Programa,
deverá avisar à EMPRESA RESPONSÁVEL através da Central de Atendimento no número
(21) 3385-9930 disponível no site, informando sobre a sua intenção. Nesta
hipótese, o usuário deverá pagar, a título de multa pelo cancelamento antecipado,
50% (cinquenta por cento) do restante do valor que ainda seria devido pelo
usuário em razão do plano contratado e do período restante de contrato.
De toda a sorte, mesmo que se entenda que a
cobrança da multa é justa – note-se, vale repetir, que o sócio desistente indenizará
a empresa por benefícios de que não usufruiu – seria prudente que o Clube,
principal beneficiário da renda de seu associado, fosse claro ao prestar as
informações ao torcedor que pretende aderir ao projeto, sob pena deste sentir-se
lesado futuramente. Essa informação eu descobri ao ler o contrato e não foi
divulgada pelo Fluminense através de seus canais oficiais e nem consta do novo
site do portal do sócio em sua página principal ou na chamada para os planos de
associação.
E não foi apenas isso o que descobri. Como
sócio-torcedor, recebi um email informando que eu deveria atualizar a minha
senha de acesso ao portal. Como determinado, fui direcionado a uma nova página
do programa sócio-torcedor – não aquela que se acessa através do site oficial
do clube – onde criei uma nova senha e conheci o novo ambiente virtual.
Vasculhando o local, no campo referente à assinatura, verifiquei que lá
constava que a minha forma de pagamento seria boleto bancário, o que me causou
estranheza, pois sempre realizei a minha contribuição por débito em cartão de
crédito. Fiz a mudança para débito em cartão, mas imaginei que tal fato deveria
ter sido explicado, uma vez que outros dados do meu perfil pessoal não estavam
atualizados, como o meu endereço. Ou seja, se não tivesse percebido a alteração
na forma de pagamento, como receberia o boleto bancário para quitação se nem
mesmo o meu endereço residencial constava dos arquivos do portal? Tal fato, por
certo, poderá causar problemas a muitos tricolores desavisados.
Entendi, então, que ao atualizar a minha senha,
aderi automaticamente à renovação de meu programa sócio-torcedor, agora gerido
pela empresa Golden Goal Sports - cuja
data do pedido consta como sendo o dia 30 de março de 2015, primeira cobrança,
e a última cobrança está indicada como sendo em 10 de janeiro de 2016 - inclusive
acatando um contrato cuja leitura e aquiescência não foram pré-requisitos para
a adesão e que não existia no programa anterior.
A empresa, em que pese - não duvido disso – suas melhores intenções na
operacionalização do projeto de associação ao Fluminense, faltou com o seu
dever de informar com a mesma amplitude vantagens e desvantagens do novo
projeto.
Assim, mais do que benefícios e outras
contrapartidas, o que realmente fidelizará o torcedor, seja ele engajado ou
não, é o dever de informação, corolário da transparência e da boa-fé que devem nortear
as relações entre o clube e o seu sócio, além da prestação de contas dos
valores auferidos, a fim de que se verifique, como também prometeu o presidente
Peter em entrevista ao globoesporte.com, se os mesmos serão utilizados na
formação da base em Xerém e na contratação de um grande elenco.
São atitudes simples, mas que indicam que essa
parceria pode ser duradoura se houver confiança recíproca de ambas as partes.
Para o torcedor engajado, a confiança num projeto sério e transparente é o seu
maior incentivo para fidelizar-se como sócio do Fluminense.
Frise-se, por fim, que independentemente da
justiça da cobrança – cujo mérito não discuto aqui – a Golden Goal Sports e o Fluminense, pois ciente do contrato de
adesão, falharam ao não dar a devida publicidade às novas regras, sobretudo no
que concerne à contrapartida do sócio em pagar multa em caso de desistência do
plano durante a sua vigência, o que constitui, sem sombra de dúvida, falha no
dever de informação, uma vez que tal previsão não incidia sobre os contratos de
associação firmados antes de 31 de março de 2015.
Transformar uma relação que se baseava,
preponderantemente, na espontaneidade e solidariedade do torcedor numa relação
precipuamente consumerista, pode parecer profissional e até ser financeiramente
mais proveitosa para o clube e a Golden Goal, mas se assim pretendem agir, que
não se esqueçam de cumprir as determinações legais que protegem os
consumidores, mormente aquela que já se descumpriu e consta do artigo 8º. do
Código de Defesa do Consumidor.
Vale lembrar aos gestores do Clube que o
torcedor sempre será o seu maior e mais fiel parceiro e assim merece ser tratado.
Advertência oportuna que se faz para que a relação torcedor-Fluminense-Golden Goal seja longa e proveitosa para
todos.
Leia o contrato em: https://www.sociofutebol.com/conteudo/14
Foto: FFC
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