A pedido do Ministério Público, o juiz
Guilherme Schilling decidiu, em caráter liminar, é bom que se diga, que os clássicos
regionais daqui por diante só poderão ter uma torcida. A manifestação do MP
estadual foi motivada pelos graves confrontos ocorridos no último clássico
entre Flamengo e Botafogo, cujo saldo foi de oito pessoas baleadas, sendo uma
morta e duas gravemente feridas. Na verdade, a violência desmedida entre
torcidas organizadas naquela partida foi apenas a gota d`água para a adoção de
uma medida que já vinha de desenhando há tempos e, inclusive, já fora adotada
em São Paulo e Minas.
Trata-se, todavia, de uma medida simplista, uma
resposta pronta à sociedade e à mídia que clamavam por um basta nessa onda de
violência que assola os estádios e seus arredores em dias de grandes jogos. O
Poder Judiciário, chamado a intervir, não pode se omitir e foi por isso que o
juiz decidiu.
A proibição de jogos com duas torcidas em clássicos
retira a responsabilidade estatal e a transfere ao torcedor, uma vez que é
dever do Estado zelar pela segurança do público que vai a uma partida de
futebol. A questão, assim, é de segurança pública e se afasta do âmbito
desportivo. Torcedores organizados que praticam crimes são menos torcedores que
criminosos e devem ser tratados como tais, inclusive sendo alvo das políticas
de segurança do Estado e dos órgãos de persecução penal.
A Justiça, com essa decisão de cunho
proibitivo, na verdade retirou um grande peso das costas de um Estado que é
ineficiente naquilo que é sua obrigação primeira: garantir a segurança e a
liberdade de ir e vir de seus cidadãos. E, consequentemente, ajudou a por mais
pá de terra num futebol moribundo, cujos romantismo e glamour se esvaem à
medida que o Maracanã também se deteriora.
Qualquer estudioso de segurança pública e, mais
especificamente da infiltração das organizações criminosas relacionadas ao tráfico
de drogas nas torcidas organizadas, poderá dizer com mais propriedade que a solução
para a violência entre as torcidas não passa nem de perto pelo que decidiu o
nobre magistrado. A prova cabal e mais recente disso foi a brutal tentativa de
homicídio que vitimou o torcedor tricolor Pedro Scudieri, que voltava para sua
casa após um jogo do Fluminense contra a Portuguesa. Ou alguém pode imaginar
que os agressores tenham sido torcedores do clube da Ilha do Governador?
Torcidas organizadas, não é de hoje, marcam
seus confrontos pela internet. Na falta de um serviço de inteligência eficaz,
porém, adota-se a resposta óbvia e inócua que, a bem da verdade, nada resolverá
e apenas desincumbirá o Estado de sua função que é garantir a segurança de sua
população.
Se quisessem realmente resolver o problema, ou
pelo menos minimizá-lo, deveriam seguir nossas autoridades o exemplo inglês. Lá,
o gravíssimo problema dos hooligans
foi praticamente solucionado quando todos os times ingleses foram obrigados a instalar
em seus estádios sistemas de monitoramento por câmeras, a fim de que a polícia
pudesse realizar um pente fino à procura de torcedores brigões. Localizado o
torcedor indesejado, é imediatamente retirado do estádio. Além disso, há sempre
um policial escalado para estudar o comportamento dos torcedores de cada clube
profissional inglês, cujo relatório de informação ajuda na identificação dos
torcedores mais perigosos.
Brasil não é Inglaterra, mas parece óbvio que
um trabalho de inteligência policial bem desenvolvido pode ajudar a antecipar as
ações desses criminosos, possibilitar suas prisões e evitar mortes. Não
obstante, o Ministério Público e o Judiciário devem tratar os crimes praticados
por esses vândalos com a gravidade que merecem, responsabilizando hordas de
torcedores brigões como verdadeiras associações criminosas, o que afastaria,
nesses casos, a competência dos Juizados Especiais Criminais que cuida apenas
de delitos de menor potencial ofensivo e que nem mesmo ensejam a prisão.
Mas, ao invés de agir para resolver o problema,
preferiu-se a saída mais fácil e menos onerosa para o Estado: a torcida única. Com
essa decisão mata-se o futebol, mas não se mata o problema.
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